domingo, 2 de novembro de 2014

Crônicas Curitibanas: Timing

 A sociedade é rotineira. Tá aí uma máxima que posso afirmar sem medo de ser condenado de um lado ao outro. Nós nos organizamos de acordo com algum calendário ou ciclo. Tem gente que se organiza pelos meses e em torno de seu aniversário ou do próximo aniversário de namoro, casamento, renascimento. Deste modelo planeja suas férias, suas viagens. No primeiro feriado ir a casa da mãe; segundo feriado, praia; feriado prolongado, viagem internacional na América do Sul. E de fim de semana em fim de semana se traça suas rotinas para superar a fadiga de ter que se conviver com as pessoas.

Tem gente que se organiza através de ciclos. Seja o ciclo da lua para cortar o cabelo, seja o ciclo das marés para surfar ou mergulhar em algum paraíso tropical. Tem o ciclo do clima que determina o momento certo de plantar, deixar crescer e colher. Tem o ciclo da menstruação, ou fertilidade, em que o casal se organiza para engravidar e enriquecer a sociedade com mais gente sem saber que em breve a sua rotina será totalmente revolucionada por um ser pequenino que não obedece as rotinas da sociedade, que traça por si só seus costumes e vontades.

É tanta rotina que se acelerarmos o controle do mundo ficaremos entendiados. No Brasil, país em que vivemos, todos conhecem a máxima: o ano só começa após o carnaval. É uma regra desregrada de difícil entendimento para sociedades que não se organizam com calendários cristãos. Para estes, principalmente ocidentais, o ano começa no primeiro dia do ano. Por isso, até quando vêm ao Brasil presenciar o maior espetáculo da terra, já estão um pouco cansados de 45 dias ou mais de labuta em suas terras natais. Nós, brasileiros, não. Ainda curtimos o frescor de um ano que começa com todo mundo transvestido e de ressaca.

E o controle da vida segue acelerado com as festas populares, os feriados comerciais, Dias das Mães, Festa Junina, Dia dos Pais, Dia dos Namorados, Sete de Setembro, Dia das Crianças, ou Nossa Senhora de Aparecida, Finados e Natal. Todo ano é assim, com um pequeno intruso a cada dois anos que é o período eleitoral. Esse se introduz na nossa agenda, damos até uma certa importância, mas logo esquecemos. Os políticos, por sinal, organizam seu universo de dois em dois anos. É um calendário avesso as nossas tradições. Para eles, a sociedade se organiza em eleição municipal, estadual e federal, legislativa e executiva. Fora disso, a nossa rotina, festas populares, datas comemorativas, datas alusivas são meras casualidades.

A sociedade é rotineira e não gosta de que se quebre essa organização. Nem a coletividade, nem os indivíduos, nem o comércio, a imprensa, nem os empresários. Por isso, embora algumas cidades tenham carnaval fora de época, não é uma momento que comove todo o país. Assim como não mobiliza as lojas se alguém quiser fazer um Second Children's Day em junho, embora o nome traga o aspecto de novidade. Mesmo porque este período é destinado às festas juninas. Também fracassará quem apostar em antecipar o Halloween para agosto. Primeiro porque é mês dos pais. Segundo porque se deve honrar pai e mãe, conforme as tradições. E esta é uma máxima que nem os militares, que são também pais, ousam contestar.

Agora, por outro lado, alguém ainda dúvida da nossa capacidade de nos acostumar e nos acomodar com as rotinas de nossa sociedade e que alterações nela nos enfastiam ou viram motivo de piada? Dou um exemplo. O deadline eleitoral acabou em outubro. Amém. Em novembro, ainda nos prendemos um pouco aos finados para entrar de cabeça no período natalino com seus perus, bolas, carros na promoção de supermercado e shoppings, presentes, mensagens de tolerância, fraternidade, amor e respeito ao próximo. Mas eis que uma turma indignada com o resultado das urnas tenta esticar o período eleitoral. Tentam o terceiro turno com a crença que agora iram construir maioria. E, nesta tentativa, não percebem que a agenda mudou, que os trabalhadores já negociam o recesso de fim de ano, que somam seus 13os salários, organizam amigos secretos, reservam restaurantes e bares previamente para as festas de fim de ano. Essa turma perdeu o timing do golpe. Já era. Quem sabe, em 2015, depois da Páscoa. Agora, a única coisa que vão conseguir é irritar aquele bom velhinho de barba branca. Porra, diria Noel, bem no período que sou rei vão querer diminuir minha importância? E os comerciantes, pobres reféns do otimismo, que já se ferraram com o pessimismo da Copa do Mundo, trocarão a decoração vermelha pelo verde e amarelo dos ressabiados? Duvido. Aposto minha ida a Miami que a próxima vez que verei a Boca Maldita lotada não será para ver um protesto fora de época, mas para presenciar as pessoas deslumbradas pelo Natal Encantado do HSBC, como determina nosso protocolo rotineiro social.

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Manolo Ramires

quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Crônica Curta: No descritivo de função

O trabalhador sofre. Está no seu descritivo de função. Servirá seu patrão, venderá sua força de trabalho e não reclamará. Terá momentos de alegria, mas a sofridão é sua missão. Se não for no trabalho, será no trajeto de ida. Ou de volta. Ônibus lotado. Terminal lotado. O terminal sempre está em coma. É uma bolha de tensão social que nunca estoura. Taca-lhe caladryl, bepantol, calminex nas ideias e constatações. O coletivo tá cheio, mas as crianças conseguem se sentar no fundo. Dois meninos, um pai, sem mãe. Conversam. A janela do Inter II são as asas da imaginação de quem é desprovido de recursos.  Um guri se incomoda. Pai, porque a gente não anda de trem? Ora, achará o niño que é mais confortável? É caro, justifica o pai. Mas eu quero andar de trem, emenda . Vamos no fim do ano. É uns 100 mil?, calcula a criança. Falam do passeio da graciosa, enfim, percebo. Nós vamos em dezembro com sua tia, prevê o pai sem mãe. O outro filho muda de assunto. Eu gosto do Barney. Ele é um dinossauro. O pai se alivia. A gente pode ir à casa da tia ver Barney?  Fica tenso de novo: No fim de semana, filho. O papai acorda cedo para ir trabalhar. É o que diz. É o que o povo faz. Como o trabalhador sofre.  E nem ganha gratificação por tanta sofridão. 

domingo, 12 de outubro de 2014

Crônica curta: Clube soda

 Os passarinhos já cantam a plenos pulmões. O relógio sequer marca seis da manhã. A gata já ergue suas orelhas e mia. Pede para que a janela seja aberta. Deus deu-lhe impulso. Ainda bem que não concedeu asas. A janela se abre e ela se evade. É a nova temporada que chega. Uma fuga do frio intenso que fez nos últimos meses. Salvação também ao período sombrio pelo qual passa as redes sociais.O Brasil morreu após o carnaval e só ressuscita em novembro. Ou no Natal. A tolerância partiu do teclado. Outrora, o 'face to face' inibia os comportamentos mais exaltados. Já o touch screen, não.  O livro, clama por ser aberto. O parque, se dispõe a ser ocupado. A bola, merece uma dividida. Já a canela quer ser preservada. O calor quer ferver as cabeças, mas não para que se perda o controle. O intuito é refrescar as ideias. Até o café entende o momento. Um pretinho ristretto, por favor. Não neste momento. Só depois do almoço. Agora, os cafés da cidade têm uma nova modinha. É o clube soda! Bebidas geladas sem álcool. Ou com vodka, desde que moderada. Sem discussão. Sem acusações entre cumpas. É a estação dos passarinhos migratórios, da gata esperta na janela. O celular repousa sobre a mesa. Os risos se propagam. O canudo é acionado. Gole na água de valência também pedida. Nervos mais amenos. Brinde. Brindam os amigos opostos enquanto bradam sozinhos os bebedores de ódio. Conta vinda. Conta dividida.

segunda-feira, 25 de agosto de 2014

100 anos de Palmeiras

Na rua perto de casa, a gente jogava bola quase diariamente. Chegava à tarde, por volta das 16 horas, e a molecada gritava do portão: mané, mané. Era o convite que trazia como exigência a minha bola de capotão. E lá íamos nós jogarmos gol caixote. Três contra três. Às vezes até quatro contra quatro. Era uma variante muito mais irreverente da forma como se joga futebol atualmente com suas escolinhas e treinadores sempre aporrinhando sobre esquemas táticos ou formas de bater na bola. A gente se dividia no trio com o maiorzinho na zaga, o mais habilidoso no meio e o mais rápido na frente. A regra era simples. Quem marcada três gols antes tirava o outro time, independente do tempo. As traves eram feitas de madeira reaproveitada e as redes um dia foram lançadas ao mar.

segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Marcadores de Páginas: Poetas


Crônicas dos Excluídos: Papagaio de prédio*

Eu diria que é raro alguém deixar nossa dirigente em apuros retóricos, sem palavras, mas naquele dia aquela senhora a deixou. Mais do que isso, a deixou sem voz e contra-argumentos. Tanto que Pimenta (seu apelido no meio sindical) se calou e apenas ouviu atentamente a exposição feita pela doce anciã. A prosa fluía por seus lábios como se fosse decorada, ensaiada exaustivamente com refinamento que até Constantin Stanislavski assinaria embaixo. Uma vez o diretor expôs: “A fala é música e quando se controla seus movimentos e lhes acrescenta palavras e voz (coerentes), parece-me que isso se torna tão harmonioso ao ponto de se tornar um lindo cantar”.

domingo, 17 de agosto de 2014

Golpe por centavos

 O terminal de ônibus está lotado. Reflexo da demora do Ligeirão que nem a substituição de prefeito conseguiu parar. As pessoas, cabisbaixas, interagem com seus celulares. De repente, um aplicativo vindo de fora de seus celulares chama-lhes a atenção.  É uma voz, grossa. Todavia, o 'App real’ não é suficiente para despertar o interesse de muitos, que se mantêm-se firmes na tela de seus smartphones ou de rabo de olho no horizonte em busca do azulão que não se aproxima. Mesmo assim, o timbre e seu dono, insistem:

– Dá algum dinheiro para o morador de rua. Ajudem o movimento dos moradores de rua com algumas moedas.

sexta-feira, 15 de agosto de 2014

Axiomas asfixiados: Girando

Axiomas asfixiados: Girando
Todo mundo que quer mudar o mundo não percebe que o mundo muda continuamente, independente dos nossos esforços.

segunda-feira, 14 de julho de 2014

Resenha: O poder nosso de cada dia

 O século 20 presenciou o apogeu das sociedades disciplinares, que organizaram grandes sistemas de confinamento do qual o indivíduo nunca escapa, mas passa de uma área para outra, da família para a escola, da escola para o trabalho, e assim por diante. Mudanças sociais que iniciaram no século 18 e se desenvolveram no século 19.

Já o século XXI não ampliou a liberdade dos indivíduos, grupos e movimentos sociais. Pelo contrário, o excesso de exposição e monitoramento tem se ampliado através das câmeras, de espionagem etc. Um reflexo disso pode ser visto após as manifestações em 2013 e 2014 quando os governos, ao invés de respeitar a vontade de protestar, usaram seus aparelhos para reprimir e, agora, cercear o direito de protesto. Neste sentido, o clássico da literatura filosófica pode ser um bom elemento para entender como os organismos agem.

Ficha Técnica
FOUCAULT, Michel
Editora: GRAAL
ISBN: 8570380747
ISBN13: 9788570380746
Edição: 23ª Edição - 2007
Número de Páginas: 296
Acabamento: BROCHURA

Formato: 14,00 x 21,00 cm.

sexta-feira, 11 de julho de 2014

Poema: Faixa de Gaza



Faixa de Gaza
Corre em sua bandeira o sangue,
escorre sobre sua história a vergonha
cobre sua moral a amarga cinza

O leite, à criança, é escasso
A lágrima não se abranda
A separação se faz presente
Assim como o divórcio da tolerância

A esperança é uma navalha
que pode aparar os excessos
ou degolar os desatinos

Tudo depende da mão
que se estende ao adventício
ou prefere apertar o gatilho

E no próximo horizonte,
antes que o flamejante arrebol ceife vidas,
que os ventos ceivem o cessar fogo

11 julho 2014 – Manolo Ramires


domingo, 6 de julho de 2014

Alea iacta est

 A Alemanha que me perdoe, mas esse jogo está no papo. O Esquadrão Dourado vence a República de Rienzi e ainda supera seu próximo adversário. Como sei disso? Bati os tambores, ajudado pelos orixás, para os deuses do futebol. Eles declararam estar envergonhados. Disseram que em 1950 não foi tragédia que se chocou no Maracanã, mas maldade. Não tinham nada contra o povo das matas e encantos mil, de gente alegre e trabalhadora. Só uma ponta de inveja com o crescimento que estava no porvir. Por isso, para o país que traz a constelação e suas riquezas no pendão, deram o castigo como contrapartida ao bom agouro.

Há que se ter voto de confiança para a declaração dos deuses. Nem eles poderiam imaginar que o menino grande abatido em seus domínios seria capaz de pelear por gramados alheios anos depois e se tornar gigante. Os planos previstos era distribuir heróis por outras nações. Mas erraram nas contas e permitiram o nascimento do Arqueado de Pau Grande e o Guerreiro Ébano de Três Corações antes da primeira metade daquele século. E já não puderam evitar na outra banda de centenário o Afinco do Baixinho e a Fome de bola do Dentuço. Os herdeiros da Ilha de Vera Cruz já haviam mudado seu destino.

A Copa já é nossa. Promessa! É nossa porque um raio não infortuna duas vezes o povo e porque o torneio não é opera buffa a se repetir sem criatividade. As contrapartidas já foram dadas. Soberbas fora do campo foram trabalhadas. Vaidades para dentro também foram queimadas. Não que os deuses entortem seus olhos para o luxo e a opulência. Isso é discurso humano para evitar a divisão dos bens. Para eles, a sua prenda foi cobrada. Tomaram-nos o quindim do time. Recolheram o menino Neymar.


Se a Copa já é nossa, não há com o que se preocupar. Tampouco torcer ou rezar em excesso contra um segundo minuto de silêncio infernal no estádio guardado por Jesus Cristo. Sai desta, besta! Os deuses ainda podem atuar em relação ao resultado final. Basta que os estúpidos tentem usar o triunfo ou a ruína como trunfo a sua glória nas urnas. “Política e divindade não se misturam”, avisam. Os milicos fizeram isso. Os comunistas também. Por um instante, o pau de arara não estalou e a vidraça alheia não foi estilhaçada. Por momentos, mesmo controversos, a trégua em nome da santa bola e dos magos de manto amarelo ficou estabelecida. Agora, se isso ocorrer, se o meio de campo embolar, é caixa, é Copa, é taça despedaçada. Do outro lado, o chico Ángel, mesmo a contragosto do Papa, já foi oferendado. Os pratos estão postos, o vinho preparado. Alea iacta est! Dê o que dê, samba ou tango, hay que ter festa no continente.
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Por Manoel Ramires

segunda-feira, 30 de junho de 2014

Crônicas Curitibanas: Não perca seu Tempo


Minha mãe, que acaba de nascer para as redes sociais, calhou de mandar uma mensagem estranha pelo WhatsApp. Escreveu: “o tempo é democrático, pois chega para todos”. E emendou: “faça uma crônica a respeito”. Considerei exótico o pedido. Ora, ela poderia, em sua primeira mensagem, perguntar-me sobre meu filho, nascido há um mês, ou contar-me sobre o resultado dos exames de pressão e batimento cardíaco de uma determinada pessoa querida. Poderia também ter escolhido conversar sobre a experiência de completar 35 anos de casada, mesmo meu pai não estando vivo, ou descrever como ela tem passado as tardes após incorporar mais um gato – Fidel – a nossa família. Mas não. Ordenou-me que escrevesse uma crônica sobre Chronos, Era, Tempo e seu caráter democrático porque “chega para todos”.

terça-feira, 27 de maio de 2014

quinta-feira, 22 de maio de 2014

Álbum de figurinhas da Humanidade

Tá todo mundo colecionando seu álbum de figurinhas da Copa no Brasil. Desde a piazada até os marmanjos, passando pelo incremento da mulherada. A galera vai se divertindo ao completar sua seleção, ao questionar um atleta escalado pela editora, como no caso do Robinho na Seleção Canarinho e, é claro, ao se encontrar para uma partida de bafo ou simplesmente para trocar figurinhas repetidas.
Dia desses, um malandro tinha completado quase toda a página da atual equipe campeã, a Fúria.  Faltava-lhe apenas o marido da cantora Shakira. Não teve dúvida. Pegou uma revista antiga de
automobilismo e recortou o busto do piloto Piquet. Na legenda da foto, apenas substituiu o Nelson por Gerard. Sem vergonha, ainda anunciou nas redes sociais a proeza de completar antes do que todo mundo aquela seleção.

 A brincadeira despertou minha imaginação. Também decidi montar meu próprio álbum de figurinhas. No entanto, ao invés de seguir o padrão de peladas de fim de ano, quando Neymar divide a bola com atores, jornalistas e personalidades, optei por montar seleções de não boleiros e distantes de nossa época. A dúvida que me marcava era se eu escalava os times por país, como ocorre na Copa do Mundo, ou por ramo de arte. Poderia montar, por exemplo, uma seleção de escritores brasileiros com Machado de Assis, Guimarães Rosa, João Cabral de Melo Neto, Nelson Rodrigues, José de Alencar, Luís Fernando Veríssimo, Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Mário Quintana, Ariano Suassuna e Cecília Meirelles, cujo técnico seja Buarque de Holanda. Já imaginou um confronto com Eça de Queiroz, Fernando Pessoa e seus heterônimos, Camões, José Saramago, Pero Vaz de Caminha? Ia ter vários gols de letra e palavras divididas. Contudo, ainda acho que seria interessante escalar uma fortíssima equipe sul-americana com Borges, Cortázar, Vargas Llosa, Garcia Marquez etc.

Este time da literatura teria concorrente de peso na música. Os caras iam se entender apenas com a batuta. Evidente que a base da seleção seria composta por jogadores da Rússia e Alemanha. Elenco com Tchaikovsky, Korsakov, Stravinsky e Rachmaninoff, Bach, Beethoven, Schumann e Wagner, e ainda com Chopin, Mozart e Dvorák.

Outro time do meu álbum que daria trabalho seria o da filosofia. Se é que eles passariam da primeira fase. Ninguém ia se entender. Mesmo assim, convocaria para as laterais Rousseau e Montesquieu, como zagueiros Sócrates, Platão e Aristóteles, como volantes Kant e Marx, armando Schopenhauer, no gol Spinoza e no ataque, surpreendendo a todos, Jesus e Buda.

Muito curioso seria definir o time da política. Sugiro dois, assim como a Alemanha dividida em 1974. Dessa maneira, haveria um time que todos poderiam torcer e outro que ninguém choraria se perdesse. No primeiro, estaria Martim Luther King, Mandela, Gandhi, Madre Tereza de Calcutá, Lula, Napoleão, Bolivar, Zumbi, Dalai Lama, Aung San Suukyi e Lincoln. Já no segundo (infelizmente é mais fácil de escalar) vestem a camisa de sangue Hitler e Mussolini, Saddam Hussein, Stalin, Cesar, Francisco Franco, Truman, Pinochet, Médici, Inocêncio IV e Bonaparte.

A lista de seleções é extensa.  Dá pra fazer na pintura, na ciência, na arquitetura, na escultura, no teatro etc. Por outro lado, o que eu mais gosto deste álbum é que os atletas não precisam guardar posição no campo. Todos atacam e defendem-se com maestria. Outra coisa interessante é que nenhum deles requer ser campeão ao final do torneio. Vence sim o torcedor que em sua vida aprofundar os conhecimentos de pelo menos um craque. Ou melhor. Quem sabe, no futuro, erguer a plaquinha para entrar no lugar de alguém e ter sua foto colada em um canto de página.
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Manolo Ramires

quinta-feira, 8 de maio de 2014

Rapsódia do amor





Ah, o amor!
o amor corre pelas veias
aquecendo a pele e arrepiando o pelo dos amantes
É um uivo que dispara os corações e deixa os olhos
vidrados em busca do seu bem querer
É um sussurro no íntimo da razão que a intima
a se despir aos fluídos de uma doce paixão

Ah, o amor!
o amor escorrega por entre os dedos
no anseio desesperado de ser agarrado
É concerto, é pizzicato beliscando os sentidos
e fazendo-nos cócegas nos lábios até roubar o sorriso
É tango, juntinho, instintivo, vidente, num emaranhado
que dengosamente desiste de se soltar

Ah, o amor!
O amor é verso sem fim
que se declama com um beijo
É prosa tortuosa fluindo pelas declarações
e compreendida por ambos mesmo sem que haja nexo
É dizer sem escólio, impreciso, é código indecifrável


numa obra introduzida em nossas vidas por marcantes reticências...

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Manolo Ramires - 08 maio

terça-feira, 1 de abril de 2014

50 (Herzog)


Na tua boca trouxe uma atadura
Se é do contra, se combate essa postura.
Não me diga que os párias são os heróis da pátria
Se só negas por um instante o apoio ianque.

É um duro golpe, acima de martelar o dedo,
dizerem o que pode ou não pode,
e eliminarem seus sonhos, seus desejos.

Aquele que empunha essa manchada bandeira
não vê o quão é excêntrico cair a nação em coma esplêndido.

Mas a redenção, tão próxima da rendição,
passa por cerrar os punhos,
estender os braços,
dar a mão ao próximo,
e numa corrente de união
desatar as cordas dementes da mente
que usurparam a livre expressão
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Manolo Ramires

segunda-feira, 31 de março de 2014

Copa Sindijor dos semideuses

A mudança de clima em Curitiba tem origem. Ela teve epicentro em uma partida de futsal realizada no Jardim das Américas. Lá ocorreu um confronto que até saiu faísca. A partir da quadra, o clima esquentou, os ânimos se elevaram, formando uma tensão no ar. A atmosfera, tentando abafar o caso, reuniu as nuvens, esfriou o clima e enviou uma chuva como mensagem aos semideuses.  Sem sucesso, a única coisa que conseguiu fazer foi criar uma goteira no teto e uma poça na quadra. É verdade que um deles escorregou por um instante, mas nada o que fizesse perder sua força.

Se a atmosfera não teve sucesso em minimizar o racha entre as duas equipes que repetiam, nas quartas-de-final do Torneio de Futsal do Sindijor,o duelo ocorrido no primeiro jogo da competição, também do alto, os errantes humanos alimentavam a discórdia. Alguns incentivam Trovão, senhor de sua equipe, cérebro de um futsal clássico, com muita troca de bola e de posicionamento. Algo até incoerente com seu nome, uma vez que seria espelho dessas ações térmicas que inundam cidades, derrubam árvores, apagam postes de luzes, semáforos, entre outros. Certo é que nervosinho é o relâmpago. Talvez Trovão seja apenas aquele responsável por distribuir os raios, ou os passes que culminam em gols.

 Por outro lado, havia uma torcida deslumbrada por Thor e suas habilidades extraterrestres. Alguns até tentavam menosprezar seus poderes, caracterizando apenas como “o cabeludo” ou alegando que ele era muito violento nas entradas e no confronto com os adversários. Uma falsa polêmica. Uma tentativa frustrada de transformar o herói em inimigo ou de opor ainda mais os colegas de clima, pensando na futura semifinal. Quem conhece Thor, na versão mitológica, sabe que seu objetivo é proteger a humanidade e promover a santificação, a fertilidade e a cura. Já quem se aproxima de Thor na versão humana logo observa seu caráter amável, sua preocupação com a cultura e em tornar a sociedade cada vez menos conflituosa. A única diferença entre o deus e o humano é que o primeiro carrega um martelo enquanto o segundo dá marteladas com sua perna esquerda quando chuta a bola.

Não houve mortos na partida entre Relevo de Thor e Ace/Gazeta de Trovão. Mas houve baixas. Se não é incorreta a informação, uma expulsão de cada lado, além de vários cartões amarelos distribuídos pela arbitragem.  Como resultado final, embora Trovão, com seu esquete cerebral tenham começado o confronto com dois relâmpagos na rede, Thor e seus aliados ágeis tomaram controle das ações. Com um Martelaço do meio da quadra no ângulo do gol, Thor e seu profundo Relevo avançaram para a semifinal. Coitados de seus adversários.
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Manolo Ramires


sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Crônicas Curitibanas: Estufas públicas


 O assunto predileto do curitibano, qual é? Erra quem acredita nas curtidas e compartilhamentos sobre mensalões e rolezinhos.  Esse são eventos mais próximos a São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília. Também passa longe quem pensou que os curitibanos têm freqüentado bares para tomar um chope gelado e discutir as eleições equatorianas. Poucos se arriscam a olhar para esse lado do horizonte. Talvez alguém sugira que o tema do momento seja o Festival de Teatro, quando os intelectuais se acotovelam em busca de ingressos e debatem uma nova linguagem teatral baseada no improviso e na interação com o público.  Aposta equivocada, baseada em nosso suposto clima europeu. E antes que alguém fique com a garganta seca, digo que também não é o Atlético na Taça Libertadores ou o seu estádio em adiável construção o assunto que domina as redes sociais, os memes, e as academias. Bola fora.

Minha gente, na verdade, somos provincianos. Curitiba adora assunto ameno, de opinar sobre algo que não a exponha. E nada melhor do que começar uma conversa com um “tá quente, né”. Principalmente porque aqui é 8 ou 80. É frio de congelar osso. Chove em demasia. Venta de derrubar pinheiro. Faz sol de amolecer criança. Não tem meio termo, meio cachorro quente de vina. Ou se é atlético ou coxa (desculpem-me, paranistas). 8 ou 80 graus. Entra ou sai.

Quem conhece bem essa característica intempestiva são os controladores de acesso das estações tubo. No inverno, uma rajada de ar seco e gelado, como em um túnel de vento, penetra o ponto arredondado. E os camaradas ficam se encolhendo por dois meses até os empresários ‘perceberem’ a necessidade de oferecer jaqueta, calça, luvas, gorro, cobertor e leite quente para que o trabalhador não morra de frio. Percepção essa, aliás, que ainda não desembarcou no verão. De câmera frigorífica, aqueles formatos cilíndricos acoplados se transformam em verdadeiras estufas de gente. Todo mundo cozinhando. Já o controlador de acesso, vulgo cobrador, naquela roupa cinza e pesada, sequer pode contar com um ventiladorzinho, um isopor com água gelada, picolé etc. Resta-lhe o improviso, como a cobradora que meteu um chapéu de palha, óculos escuros de camelô, uma bolsa de praia e uma sandália em seu figurino. É o Tubão de Ramos!

Neste ponto, dá pra dizer que a Prefeitura poderia ser mais rápida. Ao lado de oferecer livros nas Tubotecas (outro tema que não pegou), podia estender algumas cangas para a população, distribuir protetores solares, cremes, abanadores. Em estações menores, quem sabe, permitir o biquíni, o guri sem camisa e oferecer esfoliação a base de pinhão. Já em estações maiores como a Carlos Gomes ou Rui Barbosa, onde o clima é de sauna seca, espalhar sais minerais e essências revigorantes. Bota lá um capim limão, jasmim e música zen. Tenho certeza que os curitibanos, nestes dez a quinze minutos em que aguardam o Ligeirão, ficariam muito mais animados para eleger o calor como tema principal da estação.
*
E os garis? Dêem-lhes bermudas e regatas.   

sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Poema: Deixa-me! Não estarei só


Deixa-me! Não estarei só*
                À Regine Olsen


Um coração abandonado jamais prossegue sozinho.
Acompanham-no nesse instante suas paixões:
Ele é acolhido pela angústia
É tomado pela cólera
Acalenta-se com a melancolia
Lamenta ao lado do ódio e abraça a compaixão
Requer e se apega à esperança, sequer repele a vingança.

Um coração reprimido nunca fica solitário.
A sua consciência apresenta-se como guarda-chuva
para a tempestade nos olhos;
Ela estende a mão à dúvida, ele se reprime.
Um coração prefere a insegurança, prefere o pânico
sorri para a individualidade, lamenta que haja a solidariedade e pactua com a mentira
Nesse momento, até a loucura e o juízo se unem para embalá-lo com um cântico de ninar.

Um coração esquecido jamais dói perdido.
Os remédios – calmantes e antiinflamatórios –
são escondidos pelo organismo.
E as dores se encontram pelo corpo.
As costas choram e se contorcem com os suspiros do pulmão.
A azia queima
A testa enrugasse e se esconde como um cão de rua molhado,
chutado num beco  gelado por aquele que sugeria recolhê-lo.

A boca racha
As córneas vulcanizam
Os olhos entram em erupção
A garganta arranha
O nariz corrói
Os ouvidos explodem em estampidos de silêncio.

E as unhas, as pontiagudas unhas, sagram as mãos!

O coração desamparado, coagido e afastado
evita os préstimos dos sentimentos, dos conhecimentos e do físico.
O coração, sôfrego, prefere estar desamparado.

Mas da Ausência é impossível exilar-se:
Tanto que o pescoço e os ombros se revelam tensos
No caminho entre os sonhos e os pensamentos.

Ah, quanto encontro consigo
ocorre durante a solidão humana
em que o incidente exíguo
desperta instintos nobres e profanos
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* Do livro, "30 poemas e contos que doem"
Manolo Ramires


segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Crônicas: Na parada nenhum emprego para


 O que me impressiona no capitalismo é a sua capacidade de se inventar empregos. Nunca se viu ou verá entre outras sistemas econômicos tanta oferta de trabalho formal e, principalmente, informal. Essa é a grande proeza do capitalismo: incentivar a criatividade para sobreviver. Duvido que o socialismo seja capaz de ofertar tantas alternativas. No creo! No meu imaginário, os socialistas só são capazes de produzir funcionários para estatais, proletários, camponeses e frustrados. Já no capitalismo qualquer merd. é adubo para dinheiro, gerando outro emprego dependente e até carteira assinada. Claro que essa argumentação arrepia os sociólogos. É senso comum. Mas o povão, grande artista da fome, não enche a barriga com teorias.

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Crônica: Matinal

 São 6 horas. Até um pouco mais cedo. Repousado sobre a grama está o Orvalho. Reina soberano na copa das árvores e nos ombros de outros seres do reino vegetal.  Nem os pára-brisas dos automóveis e afins ficam imunes a sua excelência. Assim como os telhados de vasto colorido que ficam pincelados alvamente.  O Orvalho, no entanto, não oprime as pessoas e as coisas. Postura tão distante de tantas tiranias democráticas atuais. Tanto que seu período de regência é ínfimo ao longo do dia. Ainda cedo – só um pouco mais tarde – dá lugar ao cotidiano raio solar, não rivaliza com a garoa ou sequer sente inveja da neve. Só uma coisa incomoda em seu reinado: é costumeiro à timidez. Não aparece em todos os locais do país ou do mundo. E para se mostrar ainda exige condições climáticas especiais. Mesmo assim, é muito mais próximo das pessoas em seus jardins residências do que uma ida a Roma para identificar seu trono ou coroa.

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Crônica: Village Viuvez


 O prédio das viúvas fica lá no Centro Cívico. Ele abriga algumas senhoras de avançada idade. O que é por si só um bom motivo para não terem mais maridos. Outras até têm fisionomia de senhoritas e são realmente mais jovens. Menos de 40. Mesmo assim, estão sem companheiros. São ex-esposas de militares, ex-mulheres de bancários, jornalistas, funcionários públicos e até, mal dizem, dum operário.

Que habitação incrível! Um prédio só de viúvas. Tudo bem que não é um arranha céu com trinta e tantos andares. Têm lá no máximo quinze apartamentos. Todos ocupados por esposas viúvas da silva. Curiosamente, até mesmo os três imóveis alugados são resididos por mulheres cujos maridos faleceram. Nesta perspectiva, entende-se que ali mulher desquitada não reside. Se há uma exceção no local, é o porteiro. Ele é casado e tem netos. Mas nem ele ou tampouco sua esposa moram no Village Viuvez.