quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Crônica Curta: No descritivo de função

O trabalhador sofre. Está no seu descritivo de função. Servirá seu patrão, venderá sua força de trabalho e não reclamará. Terá momentos de alegria, mas a sofridão é sua missão. Se não for no trabalho, será no trajeto de ida. Ou de volta. Ônibus lotado. Terminal lotado. O terminal sempre está em coma. É uma bolha de tensão social que nunca estoura. Taca-lhe caladryl, bepantol, calminex nas ideias e constatações. O coletivo tá cheio, mas as crianças conseguem se sentar no fundo. Dois meninos, um pai, sem mãe. Conversam. A janela do Inter II são as asas da imaginação de quem é desprovido de recursos.  Um guri se incomoda. Pai, porque a gente não anda de trem? Ora, achará o niño que é mais confortável? É caro, justifica o pai. Mas eu quero andar de trem, emenda . Vamos no fim do ano. É uns 100 mil?, calcula a criança. Falam do passeio da graciosa, enfim, percebo. Nós vamos em dezembro com sua tia, prevê o pai sem mãe. O outro filho muda de assunto. Eu gosto do Barney. Ele é um dinossauro. O pai se alivia. A gente pode ir à casa da tia ver Barney?  Fica tenso de novo: No fim de semana, filho. O papai acorda cedo para ir trabalhar. É o que diz. É o que o povo faz. Como o trabalhador sofre.  E nem ganha gratificação por tanta sofridão. 

domingo, 12 de outubro de 2014

Crônica curta: Clube soda

 Os passarinhos já cantam a plenos pulmões. O relógio sequer marca seis da manhã. A gata já ergue suas orelhas e mia. Pede para que a janela seja aberta. Deus deu-lhe impulso. Ainda bem que não concedeu asas. A janela se abre e ela se evade. É a nova temporada que chega. Uma fuga do frio intenso que fez nos últimos meses. Salvação também ao período sombrio pelo qual passa as redes sociais.O Brasil morreu após o carnaval e só ressuscita em novembro. Ou no Natal. A tolerância partiu do teclado. Outrora, o 'face to face' inibia os comportamentos mais exaltados. Já o touch screen, não.  O livro, clama por ser aberto. O parque, se dispõe a ser ocupado. A bola, merece uma dividida. Já a canela quer ser preservada. O calor quer ferver as cabeças, mas não para que se perda o controle. O intuito é refrescar as ideias. Até o café entende o momento. Um pretinho ristretto, por favor. Não neste momento. Só depois do almoço. Agora, os cafés da cidade têm uma nova modinha. É o clube soda! Bebidas geladas sem álcool. Ou com vodka, desde que moderada. Sem discussão. Sem acusações entre cumpas. É a estação dos passarinhos migratórios, da gata esperta na janela. O celular repousa sobre a mesa. Os risos se propagam. O canudo é acionado. Gole na água de valência também pedida. Nervos mais amenos. Brinde. Brindam os amigos opostos enquanto bradam sozinhos os bebedores de ódio. Conta vinda. Conta dividida.