segunda-feira, 13 de julho de 2015

A equilibrista

- Cuidado com os olhos.

Foi o primeiro pensamento ao ver a mulher se equilibrando naquele instante. A plateia sempre olha esses lances com uma dose de agonia. A corda balançando, a equilibrista avançando, os pés trêmulos, o infinito da vergonha sustentado pelas redes abaixo.

Não lembro se quando era pequeno eu torcia pela queda ou pela chegada ao outro lado da fronteira. Agora, adulto, confesso nutrir uma pequena torcida pela tragédia. Ela é sempre mais gloriosa. Vencer causa-nos inveja. Ver os outros perderem nos conforta na mediocridade.

Enquanto filosofo, ela se equilibra. Não é na corda bamba. É no ônibus mesmo. Sentada. O coletivo a tremer como um varal na ventania. Mas ela sustenta bravamente um pequeno espelho numa mão e o delineador noutra. São dois olhos a brilhar. É como ir e voltar no picadeiro por caminhos diferentes. Não olha para os lados. Não pode sob o risco de riscar as sobrancelhas, o nariz. Mas observa, pela nuca, que todos acompanham seu ato heroico.

O espelho dá lugar ao pote. O pincel é reposto. Tudo treme. Mas ela não se borra, não mancha a camisa branca. Agora já torço pela sua vitória. Torço para que o motorista não dê aquelas freadas espetaculares na parada ou que arranque com suavidade. O mais perigoso já passou. A linha  da vergonha foi ultrapassada com louvor.


Ela utiliza um pequeno algodão para corrigir as imperfeições. É hora de tirar os excessos, afinal, ela é uma equilibrista, não uma palhaça. Ficou bom. Mas o público não aplaude quando ela termina. Sabe-se lá porque, depois de todo árduo trabalho, ela colocou óculos escuros e desceu.