domingo, 2 de novembro de 2014

Crônicas Curitibanas: Timing

 A sociedade é rotineira. Tá aí uma máxima que posso afirmar sem medo de ser condenado de um lado ao outro. Nós nos organizamos de acordo com algum calendário ou ciclo. Tem gente que se organiza pelos meses e em torno de seu aniversário ou do próximo aniversário de namoro, casamento, renascimento. Deste modelo planeja suas férias, suas viagens. No primeiro feriado ir a casa da mãe; segundo feriado, praia; feriado prolongado, viagem internacional na América do Sul. E de fim de semana em fim de semana se traça suas rotinas para superar a fadiga de ter que se conviver com as pessoas.

Tem gente que se organiza através de ciclos. Seja o ciclo da lua para cortar o cabelo, seja o ciclo das marés para surfar ou mergulhar em algum paraíso tropical. Tem o ciclo do clima que determina o momento certo de plantar, deixar crescer e colher. Tem o ciclo da menstruação, ou fertilidade, em que o casal se organiza para engravidar e enriquecer a sociedade com mais gente sem saber que em breve a sua rotina será totalmente revolucionada por um ser pequenino que não obedece as rotinas da sociedade, que traça por si só seus costumes e vontades.

É tanta rotina que se acelerarmos o controle do mundo ficaremos entendiados. No Brasil, país em que vivemos, todos conhecem a máxima: o ano só começa após o carnaval. É uma regra desregrada de difícil entendimento para sociedades que não se organizam com calendários cristãos. Para estes, principalmente ocidentais, o ano começa no primeiro dia do ano. Por isso, até quando vêm ao Brasil presenciar o maior espetáculo da terra, já estão um pouco cansados de 45 dias ou mais de labuta em suas terras natais. Nós, brasileiros, não. Ainda curtimos o frescor de um ano que começa com todo mundo transvestido e de ressaca.

E o controle da vida segue acelerado com as festas populares, os feriados comerciais, Dias das Mães, Festa Junina, Dia dos Pais, Dia dos Namorados, Sete de Setembro, Dia das Crianças, ou Nossa Senhora de Aparecida, Finados e Natal. Todo ano é assim, com um pequeno intruso a cada dois anos que é o período eleitoral. Esse se introduz na nossa agenda, damos até uma certa importância, mas logo esquecemos. Os políticos, por sinal, organizam seu universo de dois em dois anos. É um calendário avesso as nossas tradições. Para eles, a sociedade se organiza em eleição municipal, estadual e federal, legislativa e executiva. Fora disso, a nossa rotina, festas populares, datas comemorativas, datas alusivas são meras casualidades.

A sociedade é rotineira e não gosta de que se quebre essa organização. Nem a coletividade, nem os indivíduos, nem o comércio, a imprensa, nem os empresários. Por isso, embora algumas cidades tenham carnaval fora de época, não é uma momento que comove todo o país. Assim como não mobiliza as lojas se alguém quiser fazer um Second Children's Day em junho, embora o nome traga o aspecto de novidade. Mesmo porque este período é destinado às festas juninas. Também fracassará quem apostar em antecipar o Halloween para agosto. Primeiro porque é mês dos pais. Segundo porque se deve honrar pai e mãe, conforme as tradições. E esta é uma máxima que nem os militares, que são também pais, ousam contestar.

Agora, por outro lado, alguém ainda dúvida da nossa capacidade de nos acostumar e nos acomodar com as rotinas de nossa sociedade e que alterações nela nos enfastiam ou viram motivo de piada? Dou um exemplo. O deadline eleitoral acabou em outubro. Amém. Em novembro, ainda nos prendemos um pouco aos finados para entrar de cabeça no período natalino com seus perus, bolas, carros na promoção de supermercado e shoppings, presentes, mensagens de tolerância, fraternidade, amor e respeito ao próximo. Mas eis que uma turma indignada com o resultado das urnas tenta esticar o período eleitoral. Tentam o terceiro turno com a crença que agora iram construir maioria. E, nesta tentativa, não percebem que a agenda mudou, que os trabalhadores já negociam o recesso de fim de ano, que somam seus 13os salários, organizam amigos secretos, reservam restaurantes e bares previamente para as festas de fim de ano. Essa turma perdeu o timing do golpe. Já era. Quem sabe, em 2015, depois da Páscoa. Agora, a única coisa que vão conseguir é irritar aquele bom velhinho de barba branca. Porra, diria Noel, bem no período que sou rei vão querer diminuir minha importância? E os comerciantes, pobres reféns do otimismo, que já se ferraram com o pessimismo da Copa do Mundo, trocarão a decoração vermelha pelo verde e amarelo dos ressabiados? Duvido. Aposto minha ida a Miami que a próxima vez que verei a Boca Maldita lotada não será para ver um protesto fora de época, mas para presenciar as pessoas deslumbradas pelo Natal Encantado do HSBC, como determina nosso protocolo rotineiro social.

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Manolo Ramires