Ao contrário do sol, esse astro
desliza por um universo branco e fino, como se fosse areia, em sua primeira
camada, e sólido e cumprido na camada inferior. Corre pesado e vagaroso até
encontrar uma zona de conforto que não permita ultrapassar as paredes de sua
galáxia, pois no lado de fora tudo é permito, até a existência de Deus. É
pequeno. Em comparação aos outros sóis em seus sistemas, é proporcionalmente do
tamanho de Plutão. Pelo menos três vezes o tamanho e em média 14 vezes mais
leve do que os outros corpos celestes. Mesmo
assim, exerce atração em planetas maiores compostos de massa e densidade iguais,
diferenciados apenas pela coloração semelhante a da Terra, outras vezes pouco
se importando. Esses planetas, cerca de oito, tem valor apenas se estiverem
próximos ao astro principal e identificados ao grupo. Para que isso ocorra,
invariavelmente se chocam, de acordo com a sua gravidade. Tudo orquestrado pela
sarcástica ironia dos titãs que as controlam. Afinal, alguns brincam com dados,
outros jogam bocha.
E neste jogo que ocorre no fim de tarde, em Balneário Camboriú,
sem o calor e os raios fortes do sol, os titãs disputam acirrada partida às
vésperas do Natal. Jogadores de infinitas habilidades. Uns hábeis em aproximar
sua bola da circunferência principal. Outros, matreiros, versados em jogo de
esconde-esconde do bolim. Já o meu preferido é o senhor com grande suíça
branca, a la Dom Quixote, cujas
costeletas devem ter volume maior do que seu calvo cocuruto escondido pelo
boné. Dono de uma mãozada atômica, como se fosse um golpe de Roberto Carlos ou
de Rivelino, sempre pronto a criar o caos na constelação. Chuta com a mão
completamente diferente dos demais, que deixam a bola escapar pelos seus dedos.
Já ele, vigoroso, tem o corpo ereto na cancha.
Seu braço se movimenta como se fizesse um exercício frontal de ombro e
sua bola é arremessada pelos ares até colidir estrondosamente com um planeta
adversário.
Movimento acompanhado pelo brilho dos olhos de uma criança
que torce: azul, azul, azul. A bocha é isso: um jogo de senhores assistido por niños. Acredito piamente que deve ter
sido neste jogo que Nelson Rodrigues plagiou a frase: "jovens, envelheçam
depressa". Pois, como o Big Bang, não é possível explicar porque o esporte
perde o fascínio na juventude e o é retomado na experiência de vida. O fato é
que o guri, neto de algum titã, corre de um lado ao outro do campo gritando ‘azul’,
‘azul’, quando é impiedosamente questionado. "Ora, porque você torce pelos
blues se sua camiseta é amarela?" Pronto, não é mais o sol que gira em
torno da terra. O menino é racionalizado em sua contradição. Rapidamente, ele
olha para baixo, depara-se com o desenho de Batman, encontrando a cor que
anseia: "Olha aqui, isso é azul, vai azul”. Allez Les Bleus.
O confronto está em 6 a 10 após um dez a zero da primeira
peleja. Nenhuma mulher se aproximou até agora. Também, nem poderia. Esses titãs
de sessenta, setenta anos, foram educados socialmente há cinco décadas, ou
seja, no calor da pré-ditadura, quando as estrelas que são as mulheres não
iluminavam as noites, tampouco os pensamentos desses guerreiros. Alguns até
diriam: "Não é esporte para mulher. É pesado, exige concentração e
controle dos nervos". Mal sabem quantas ladies fazem força nas academias ou possuem posição de controle na
sociedade que lhes exige a tal concentração. O fato é que a presença ou a
ausência de sexo feminino não influencia na próxima rodada.
De fora do campo, a proximidade das bolas amarelas e azuis
exige mais olhar milimétrico da torcida e um juízo final do arbitro sentado em
sua banqueta. Medição de pé. Olhômetro de óculos fundo de garrafa e a sentença:
é azul. Segue a vida, a constelação, o universo e o confronto agora empatado.
Um pouco à frente, é o jogo de dominó que pretende decifrar os mistérios da
existência enquanto os jovens derretem-se em óleo na areia da praia.
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Manolo Ramires