segunda-feira, 30 de junho de 2014

Crônicas Curitibanas: Não perca seu Tempo


Minha mãe, que acaba de nascer para as redes sociais, calhou de mandar uma mensagem estranha pelo WhatsApp. Escreveu: “o tempo é democrático, pois chega para todos”. E emendou: “faça uma crônica a respeito”. Considerei exótico o pedido. Ora, ela poderia, em sua primeira mensagem, perguntar-me sobre meu filho, nascido há um mês, ou contar-me sobre o resultado dos exames de pressão e batimento cardíaco de uma determinada pessoa querida. Poderia também ter escolhido conversar sobre a experiência de completar 35 anos de casada, mesmo meu pai não estando vivo, ou descrever como ela tem passado as tardes após incorporar mais um gato – Fidel – a nossa família. Mas não. Ordenou-me que escrevesse uma crônica sobre Chronos, Era, Tempo e seu caráter democrático porque “chega para todos”.


Talvez ela estivesse refletindo em tudo isso até chegar ao pedido. Contudo, a temática não me animava a desperdiçar o meu tempo com os seus desejos. Respondi, tentando encerrar a conversa, que “a morte e a vida também” chegam para todos. E ainda ironizei: “a doença, não”. Pensava justamente que muitas enfermidades, independente da idade, são obras muito mais do acaso, da conservação da vida, de condições políticas e sociais do que fatum. Ao que ela respondeu: “Eu falo de justiça”, justificando a implacável ação do Tempo sobre everybody.

Depois disso, e padecendo de insônia, pus-me há imaginar o Tempo como um elemento da democracia. Sem êxito. Não consigo vê-Lo sendo eleito pelas pessoas para poder designar quem vive mais ou menos e em que condições. Um pouco antes, sequer consegui ver o Tempo, em campanha contra o Espaço, por exemplo, disputando o voto da humanidade. Algo como Ele oferecendo a longevidade a qualquer custo enquanto que o Espaço diria pra viver pouco, mas intensamente e da forma mais confortável possível.

Não, minha mãe, o Tempo não é democrático. Se Ele fosse um regime político, estaria mais bem representado como um deus ditador, que sai por aí determinando aqueles cujo porvir será duradouro e aqueles cujo presente e existência serão breves. É certo que o Tempo atinge a todos. Mas é duvidoso se ele agracia ou pune de forma igual ou justa. Vejo-O, pelo contrário, constantemente sendo burlado por remédios (aqueles mesmos das doenças), por vitaminas, ou escondido através de plásticas. Também O vejo sendo desmoralizado pela ciência, pela filosofia, quando é observado que Ele é relativo ao local e ao clima em que atua. Assim, um dia para o humano não é o mesmo para um cachorro e um ano na Terra não tem o mesmo período em Júpiter.


O Tempo, figura mitológica, metafísica, psicológica, poética, antes de ser um modelo de democracia, está mais a serviço da humanidade. Dizem que Ele cura as dores e muito maus humores. Isso O caracteriza mais como servo do que senhor, pois está sempre sendo adaptado. Refém e sequestrador dentro de nossas vaidades. Enfim, não O encaixo na democracia e, com isso, não sei se perdi ou tomei seu tempo, minha mãe, ou se roubei o tempo de quem, solidariamente, chegou até o ponto final deste texto.
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Manolo Ramires

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