segunda-feira, 25 de agosto de 2014

100 anos de Palmeiras

Na rua perto de casa, a gente jogava bola quase diariamente. Chegava à tarde, por volta das 16 horas, e a molecada gritava do portão: mané, mané. Era o convite que trazia como exigência a minha bola de capotão. E lá íamos nós jogarmos gol caixote. Três contra três. Às vezes até quatro contra quatro. Era uma variante muito mais irreverente da forma como se joga futebol atualmente com suas escolinhas e treinadores sempre aporrinhando sobre esquemas táticos ou formas de bater na bola. A gente se dividia no trio com o maiorzinho na zaga, o mais habilidoso no meio e o mais rápido na frente. A regra era simples. Quem marcada três gols antes tirava o outro time, independente do tempo. As traves eram feitas de madeira reaproveitada e as redes um dia foram lançadas ao mar.


 Nessa época, nos meus primeiros jogos, ainda não tinha um time do coração. Portanto, quando fazia gol, o barato era abraçar os colegas e sorrir bastante. A molecada já torcia pelo Santos, por morarmos na Baixada Santista, pelo Corinthians pós fila, em menor escala pelo São Paulo, pois estamos falando de período anterior ao bicampeonato mundial, e pelo Palmeiras. Eles sempre comemoraram citando seus ídolos. Contudo, isso não me incomodava. O correto era também pender para o alvinegro praiano, uma vez que meu pai, ituano de nascimento, e santista de férias, vibrava com a baleia. ‘Só que não’, para utilizar uma expressão moderna. Ele preferia discutir política e sobre o Banco do Brasil, esquecendo, assim, de me levar à Vila Belmiro e comprar meu apoio com refrigerante, algodão doce e pipoca.

 Órfão de clube, foi jogando bola que assumi uma paternidade futebolística. Era um sábado. A mais de duas horas jogávamos “Três dentro, três fora”. Brincadeira que sugere equilíbrio e malandragem. Antes de chutar ao gol se tinha que trocar passes sem deixar a bola tocar no chão. Três gols substituíam o goleiro e três chutes pra fora mandava o último perna-de-pau para o gol. Foi o que aconteceu comigo. Ciente da demora que aquele chutão errado na direção do portão provocara em minha participação na brincadeira, entrei na casa do amiguinho para beber água. Aproveitei e parei na porta para assistir um pedaço da partida que ocorria pelo Paulistão. Jogavam Guarani e Palmeiras no Brinco de Ouro da Princesa. O nome do estádio do bugre, aliás, é fundamental para recordar-me da minha opção. Lembro que ao ouvir o placar - 2 a 1 para o Guarani no BOP – pensei que aquele estádio ficava em uma ilha dominada por piratas, pois eram estes que usavam brinco e não havia nenhuma princesa (inexistente em meu imaginário). Ao final do jogo, o que guardei não foi o resultado, mas as cores verdes e o símbolo do Palmeiras.

Tenho muito carinho por essa história. Ela representa que nunca fui torcedor de moda ou dependente de títulos, mas de coração. E se esse dia - o futebol de rua – revelou minha paixão, foi mais ou menos três anos depois que o amor se consolidou. Voltava também de outro futebol, dessa vez jogado na areia da praia. Estava cansado, feliz e todo sujo, exceto pela camisa branca do Palmeiras com listas verdes nas mangas.  No meio do caminho, desatento, não percebi o manto escorregar pela minha cintura e se enroscar na corrente da bicicleta. Após o tombo, levantei-me rapidamente para tentar puxá-la dos dentes engraxados da magrela que pareciam zombar de minha cara. Era tarde. A camisa ficou toda marcada e com diversos furinhos. Já eu, chorei por longos 10 minutos na praia. Talvez essa tenha sido a maior decepção da minha vida associada ao Palestra Itália. Muito mais do que ser rebaixado no Campeonato Brasileiro, perder o Mundial em 1999 ou a Libertadores de 2000. Lágrimas assim só rolaram – desta vez de alegria – no jogo contra o Flamengo pela Copa do Brasil. Um confronto épico em que o verdão conseguiu a vitória por 4 a 2 nos acréscimos do jogo e eu marcar todo os meus dois joelhos pelas tampinhas numa demonstração de sacrifício tolo.


Muitas outras históricas com o alviverde de Parque Antártica ocorrem ao longo de minha vida. Já briguei pelo Palmeiras quando jovem, já ofendi o clube, me alegrei, e vivi toda gama de sentimentos. Por isso, aos 100 anos, que se comemoram neste dia 26 de agosto de 2014, sinto forte em meu coração e mente o canto que diz ser “100 anos de história, de lutas e de glórias”. E espero, em breve, estar levando meu filho, Ítalo, ao novo estádio para juntos, compartilharmos dessa rica trajetória que tem a família palmeirense.
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Manolo Ramires

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