quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

Crônica: Confronto de titãs

Ao contrário do sol, esse astro desliza por um universo branco e fino, como se fosse areia, em sua primeira camada, e sólido e cumprido na camada inferior. Corre pesado e vagaroso até encontrar uma zona de conforto que não permita ultrapassar as paredes de sua galáxia, pois no lado de fora tudo é permito, até a existência de Deus. É pequeno. Em comparação aos outros sóis em seus sistemas, é proporcionalmente do tamanho de Plutão. Pelo menos três vezes o tamanho e em média 14 vezes mais leve do que os outros corpos celestes.  Mesmo assim, exerce atração em planetas maiores compostos de massa e densidade iguais, diferenciados apenas pela coloração semelhante a da Terra, outras vezes pouco se importando. Esses planetas, cerca de oito, tem valor apenas se estiverem próximos ao astro principal e identificados ao grupo. Para que isso ocorra, invariavelmente se chocam, de acordo com a sua gravidade. Tudo orquestrado pela sarcástica ironia dos titãs que as controlam. Afinal, alguns brincam com dados, outros jogam bocha.

E neste jogo que ocorre no fim de tarde, em Balneário Camboriú, sem o calor e os raios fortes do sol, os titãs disputam acirrada partida às vésperas do Natal. Jogadores de infinitas habilidades. Uns hábeis em aproximar sua bola da circunferência principal. Outros, matreiros, versados em jogo de esconde-esconde do bolim. Já o meu preferido é o senhor com grande suíça branca, a la Dom Quixote, cujas costeletas devem ter volume maior do que seu calvo cocuruto escondido pelo boné. Dono de uma mãozada atômica, como se fosse um golpe de Roberto Carlos ou de Rivelino, sempre pronto a criar o caos na constelação. Chuta com a mão completamente diferente dos demais, que deixam a bola escapar pelos seus dedos. Já ele, vigoroso, tem o corpo ereto na cancha.  Seu braço se movimenta como se fizesse um exercício frontal de ombro e sua bola é arremessada pelos ares até colidir estrondosamente com um planeta adversário.

Movimento acompanhado pelo brilho dos olhos de uma criança que torce: azul, azul, azul. A bocha é isso: um jogo de senhores assistido por niños. Acredito piamente que deve ter sido neste jogo que Nelson Rodrigues plagiou a frase: "jovens, envelheçam depressa". Pois, como o Big Bang, não é possível explicar porque o esporte perde o fascínio na juventude e o é retomado na experiência de vida. O fato é que o guri, neto de algum titã, corre de um lado ao outro do campo gritando ‘azul’, ‘azul’, quando é impiedosamente questionado. "Ora, porque você torce pelos blues se sua camiseta é amarela?" Pronto, não é mais o sol que gira em torno da terra. O menino é racionalizado em sua contradição. Rapidamente, ele olha para baixo, depara-se com o desenho de Batman, encontrando a cor que anseia: "Olha aqui, isso é azul, vai azul”. Allez Les Bleus.

O confronto está em 6 a 10 após um dez a zero da primeira peleja. Nenhuma mulher se aproximou até agora. Também, nem poderia. Esses titãs de sessenta, setenta anos, foram educados socialmente há cinco décadas, ou seja, no calor da pré-ditadura, quando as estrelas que são as mulheres não iluminavam as noites, tampouco os pensamentos desses guerreiros. Alguns até diriam: "Não é esporte para mulher. É pesado, exige concentração e controle dos nervos". Mal sabem quantas ladies fazem força nas academias ou possuem posição de controle na sociedade que lhes exige a tal concentração. O fato é que a presença ou a ausência de sexo feminino não influencia na próxima rodada.


De fora do campo, a proximidade das bolas amarelas e azuis exige mais olhar milimétrico da torcida e um juízo final do arbitro sentado em sua banqueta. Medição de pé. Olhômetro de óculos fundo de garrafa e a sentença: é azul. Segue a vida, a constelação, o universo e o confronto agora empatado. Um pouco à frente, é o jogo de dominó que pretende decifrar os mistérios da existência enquanto os jovens derretem-se em óleo na areia da praia.

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Manolo Ramires

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