segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Crônica: Calaram-se para sempre


Numa mala, o peso de seus sonhos está guardado em um compartimento menor. No outro espaço, um pouco maior e mais pesado, estão dobradas suas culpas. Poderiam estar amassadas, mas as guardou como se tivesse sido cuidadosamente engomadas. E no fundo dessa mala, embaixo de tudo, meio que escondido, uma necessaire com suas boas realizações. Agora a bagagem vai balançando e se misturando com o impacto seco das rodinhas na calçada irregular da Avenida Iguaçu. A sua frente vai a dama que um dia foi de esquina e que neste momento segue de uma dobra de rua à outra pelo menos duas vezes.
Para. Espera. Olha para os lados e vê portões fechados. Vira-se para pista, os carros são rareados. Abaixa a cabeça, depara-se com a calçada descascada. Por fim, evita recorrer ao céu.
Um veículo passa buzinando forte. Não é paquera. É gozação. Ela não dá bola. Ajeita o laço branco no cabelo, que revela o bracelete igualmente off white. Dou-me conta que ainda não havia visto o buquê, tampouco as alianças.
É uma lástima. O dia estava ensolarado e propício para o casamento. Ou para uma fuga. À distância, se percebe que o vestido é carente, antigo, todavia, bem guardado. Mas, assim como a mala, já traz em sua aparência o enrugado de uma vida que se encontrava nos momentos de desencontro.
Ela cria coragem e atravessa a rua como a noiva que atravessa o ‘salão’ da igreja em busca do altar. Só que para ela o que a espera é o outro meio fio que leva a outra rua, a outra esquina, a outro bairro, a outro canto dessa cidade. Foi-se. Eu, que fiquei, ainda procuro por uma madrinha que se atrasou. Ou pelo noivo que mudou de ideia. Ou pelo pastor que foi pago para selar essa união. Ninguém aparece. Acho que todos calaram-se para sempre.

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