Não gosto do Edson. Adoro Pelé. Edson foi um menino pobre que cresceu socialmente com o fruto do seu labor, conquistando patamares imagináveis para um negro. Pelé já nasceu lapidado, senhor de si, um Buda. Edson, embora de fama, nunca exerceu sua influência para melhorar a vida ou denunciar os problemas daqueles que não tiveram mérito. Desde cedo foi cooptado. Pelé, embora negro, sempre esteve em campo a desafiar soberbas paulistas, brasileiras e européias. Desde cedo era um revolucionário. E Edson, de costas aos seus, abraçou e acariciou os poderosos, os ditadores, a turma de olhos azuis e sotaque gringo, o sonho dos outros. Edson era um cachorro de madame. Já Pelé exercia o fascínio na sua gente, na estima e nos brios, foi guerreiro, batalhador, fiel aos nossos princípios de leveza e alegria, um belo do futebol. Pelé era um vira-lata puro sangue. A Edson faltou um pouco de Diego, nas cagadas e façanhas. A Pelé, não faltou Maradona.
Deixemos, portanto, Edson de lado e concentremo-nos em Pelé, que é eterno. Aí, que me desculpem os argentinos, mas não há comparação em campo. Se querem compará-lo, que seja a Gardel, que elevou o espírito da plata rabiscando pelos salões, a Che, que ousou subverter a lógica e libertar o povo, assim como Pelé libertava o grito de gol em sucessivos orgasmos coletivos.
A Pelé, com resquícios de Edson, para compará-lo, tem que ser a um Wagner, de sublime composição, mas suspeito de oprimir e servir de base para os arianos, a Ludwig, das tempestades sinfônicas e do desdém à corte. Pelé se compara a Picasso nos quadros, no improviso, não ao Pablo, que seria amigo de Edson. Pelé é Shakespeare do amor ideal, do drama, é Niemeyer ao antever o futuro e o lance, Pelé se compara a Cortázar do tipo de criatura fantástica que supera o criador.
Pelé não era Rei. Não há dádiva nenhuma em ser monarquia e cultivar súditos. É uma condição imutável com a qual não se tem controle. Se acostuma. Pelé é deus. Não essa divindade cristã, onipotente e onipresente. Essa figura infalível e distante da Terra. O Pelé Deus é grego. Forjado da união de Ares com Baco, apadrinhado por Iriana, abençoado por Oxalá e cativado por Obá. É aquele que põe nas canetas de Thor, que chapela Superman, afundando um agonizante Goku. E sai para a comemoração com um soco para o alto, com o punho cerrado, como aqueles que amam a luta gostam de fazer, mandando energias para o universo e deixando por aqui mais um ano, o 75, do Edson Arantes do Nascimento.
sexta-feira, 23 de outubro de 2015
quinta-feira, 10 de setembro de 2015
Crônica: Um dia Detestável
Muitos fatores podem contribuir para um dia detestável. O clima é um deles. Talvez o principal. Como o dia de hoje, pós feriado, em que o céu ganhou contornos gris, as nuvens lavaram a atmosfera e os colos ganharem echarpes. As palavras poéticas, no entanto, não amenizam o quanto esse tempinho fechado é desagradável. Basta por o pé para o lado de fora, antes da esquina, e se você não estiver de galochas, as meias já ficam todas molhadas. As calças e o vestuário de cima também. Um horror. Uma lástima que cresce em desprezo quando temos que nos equilibrar para andar segurando o guarda-chuva (ou GPS de poça) numa mão e o celular na outra. Que tristeza.
Mas esse dia detestável pode ser contornado com algumas medidas. Não vamos tratar aqui de carros, de táxi, de desmarcar compromissos, porque são benefícios da burguesia. Eu miro no povo. Naquele que se apequena no ponto de ônibus, que trabalha a pé, de bicicleta e afins. Para nós, nada melhor do que arrancar a roupa e tomar um bom banho. Assim, se desfaz o dia intolerante.
E é certo que um dia de chuva, para muitos, não é um tão detestável. Vide a galera "deboas", que pode até enxergar um benefício no aguaceiro. Chuva enche represa de água que está baixa. É um argumento bom, embora prefira que seja utilizado apenas no pé da serra.
Mas esse dia detestável pode ser contornado com algumas medidas. Não vamos tratar aqui de carros, de táxi, de desmarcar compromissos, porque são benefícios da burguesia. Eu miro no povo. Naquele que se apequena no ponto de ônibus, que trabalha a pé, de bicicleta e afins. Para nós, nada melhor do que arrancar a roupa e tomar um bom banho. Assim, se desfaz o dia intolerante.
E é certo que um dia de chuva, para muitos, não é um tão detestável. Vide a galera "deboas", que pode até enxergar um benefício no aguaceiro. Chuva enche represa de água que está baixa. É um argumento bom, embora prefira que seja utilizado apenas no pé da serra.
segunda-feira, 13 de julho de 2015
A equilibrista
- Cuidado com os olhos.
Foi o primeiro pensamento ao ver a mulher se equilibrando
naquele instante. A plateia sempre olha esses lances com uma dose de agonia. A
corda balançando, a equilibrista avançando, os pés trêmulos, o infinito da
vergonha sustentado pelas redes abaixo.
Não lembro se quando era pequeno eu torcia pela queda ou pela
chegada ao outro lado da fronteira. Agora, adulto, confesso nutrir uma pequena
torcida pela tragédia. Ela é sempre mais gloriosa. Vencer causa-nos inveja. Ver
os outros perderem nos conforta na mediocridade.
Enquanto filosofo, ela se equilibra. Não é na corda bamba. É
no ônibus mesmo. Sentada. O coletivo a tremer como um varal na ventania. Mas
ela sustenta bravamente um pequeno espelho numa mão e o delineador noutra. São
dois olhos a brilhar. É como ir e voltar no picadeiro por caminhos diferentes.
Não olha para os lados. Não pode sob o risco de riscar as sobrancelhas, o
nariz. Mas observa, pela nuca, que todos acompanham seu ato heroico.
O espelho dá lugar ao pote. O pincel é reposto. Tudo treme.
Mas ela não se borra, não mancha a camisa branca. Agora já torço pela sua
vitória. Torço para que o motorista não dê aquelas freadas espetaculares na
parada ou que arranque com suavidade. O mais perigoso já passou. A linha
da vergonha foi ultrapassada com louvor.
Ela utiliza um pequeno algodão para corrigir as imperfeições.
É hora de tirar os excessos, afinal, ela é uma equilibrista, não uma palhaça.
Ficou bom. Mas o público não aplaude quando ela termina. Sabe-se lá porque,
depois de todo árduo trabalho, ela colocou óculos escuros e desceu.
segunda-feira, 15 de junho de 2015
As coisas em seus lugares
As coisas em seus lugares
1.
Uma cadeira de balanço
sustenta um corpo
em que as idéias foram
encobertas por uma manta
Uma cadeira
Uma cadeira de balanço
Descanso
terça-feira, 9 de junho de 2015
O dedo na ferida
A minha crônica utilizará esta imagem. É um quadro de Caravaggio. Chama-se A incredulidade de São Tomé. Uma pintura do século XVI (1599). Portanto, antes do Iluminismo. A representação é forte e questiona a Igreja, extremamente poderoso e obscura. É um realismo muito intenso.
Uso esta pintura de exemplo para comparar ao personagem crucificado na Parada da Diversidade, em São Paulo. Ambas de um realismo perturbador. E esse é um dos papéis da arte. Chocar. Provocar o debate. Tirar a sociedade da zona de conforto.
A representação do travesti crucificado no lugar de Jesus é brilhante. Ainda mais porque é arte viva. É carne, osso e silicone. Traz em si também o grande debate que permeia nossos tempos. Personagens religiosos cada vez mais caricatos e preconceituosos. Tal qual os carolas do século XVI. "Pensadores" cada vez mais preocupados em fazer a faxina social do que promover a solidariedade.
Do outro lado, assim como foram os cientistas, os burgueses, aqueles que não pertenciam e questionavam o clérigo, são atualmente os homossexuais perseguidos, agredidos. São esses os escolhidos como personagens a serem excluídos da nossa convivência, como um dia foram as mulheres, como um dia foram os índios, como um dia foram os índios. Por isso, a crucificação é tão reveladora. Porque desnuda. Revela na medida em que a representação é combatida com ódio e insulto e não com compreensão.
O movimento colocou o dedo na ferida. Colocou o dedo no âmago da sociedade que pode optar por queimar ou por perdoar o que sequer precisa ser perdoado, apenas aceito.
Uso esta pintura de exemplo para comparar ao personagem crucificado na Parada da Diversidade, em São Paulo. Ambas de um realismo perturbador. E esse é um dos papéis da arte. Chocar. Provocar o debate. Tirar a sociedade da zona de conforto.
A representação do travesti crucificado no lugar de Jesus é brilhante. Ainda mais porque é arte viva. É carne, osso e silicone. Traz em si também o grande debate que permeia nossos tempos. Personagens religiosos cada vez mais caricatos e preconceituosos. Tal qual os carolas do século XVI. "Pensadores" cada vez mais preocupados em fazer a faxina social do que promover a solidariedade.
Do outro lado, assim como foram os cientistas, os burgueses, aqueles que não pertenciam e questionavam o clérigo, são atualmente os homossexuais perseguidos, agredidos. São esses os escolhidos como personagens a serem excluídos da nossa convivência, como um dia foram as mulheres, como um dia foram os índios, como um dia foram os índios. Por isso, a crucificação é tão reveladora. Porque desnuda. Revela na medida em que a representação é combatida com ódio e insulto e não com compreensão.
O movimento colocou o dedo na ferida. Colocou o dedo no âmago da sociedade que pode optar por queimar ou por perdoar o que sequer precisa ser perdoado, apenas aceito.
sexta-feira, 29 de maio de 2015
Crônica TT: Acordo
Ao ser encurralado, o ladrão entregou o carro roubado e disse:
- Delação premiada!
Teve que ser solto.
- Delação premiada!
Teve que ser solto.
segunda-feira, 25 de maio de 2015
Artigo: À espera de um milagre
Não são apenas as fileiras coxinhas que sobrevivem
de indignação seletiva. Muitas vestes petistas podem ter sido picadas por essa
doença que lhes deixa febris a razão. Nem trato aqui de tapar o sol com a
peneira na questão da corrupção. O olhar agora se mira sobre a forma política e
econômica que o governo Dilma tem tratado os trabalhadores. Neste ponto tem faltado
punho e voz a muitos membros da esquerda para protestar. Parecem apenas olhar
descrentes a cada vez que o povo é traído. Parecem esperar por um milagre.
A apatia na defesa da luta dos trabalhadores teve
mais uma demonstração na semana passada. A nova penitência imposta aos
brasileiros foi os cortes promovidos na saúde e educação. 21 bilhões que
simplesmente não vão para as escolas, Cmeis, UBS e UPAs, que não vão virar
livros e lápis, nem remédio, ambulância e reforço no SUS. Dinheiro (a falta
dele) que enxugará programas federais nos estados e municípios. Contudo, o
governo Dilma tem feito a lição de casa. Só que à direita. Por isso, nos
próximos dias, deve ser reprovado pelos professores federais que entram em
greve.
Mesmo assim, o delírio segue mantido. Fosse um
governo liberal, de bico grande, e o efeito colateral das medidas impopulares
seria sentido nas ruas e redes sociais. Um exemplo ocorre contra os governos
Beto Richa e Geraldo Alckmin. Contra eles, as medidas impopulares são denunciadas.
Contudo, para Dilma, a militância só toma ciência das políticas através dos
jornais. Nunca é convidada a opinar; apenas a sustentar. Como pediu Marco
Aurélio Garcia em encontro do partido no sábado, 23, em São Paulo: “Temos que
propor, no imediato, que essas correções que estão sendo feitas do ponto de
vista fiscal possam efetivamente permitir que daqui uns poucos meses nós
estejamos com este problema resolvido”. Por outro lado, essa postura amplia a
surdez da direção em relação à base. Cada vez mais pouco se queixam das
decisões. Raros criticam, por exemplo, que o imposto sobre o lucro dos bancos é
"antiácido" que resultará em apenas quatro bilhões a mais aos cofres
públicos (contra os 70 bilhões do corte). Para piorar a posologia, aqueles que
divergem dessa dieta impopular ainda são constrangidos com a afirmação de que
"fazem o jogo da direita". Ao que rebate, por exemplo, Ricardo
Kotscho: “Nunca vi uma reunião do PT tão vazia como essa, quando no passado se
disputava um crachá. Isso é um sintoma grave de uma crise que nos". Nisso,
se conclui que a militância padece de inanição.
Só um milagre salva. E um milagre, em sua essência,
é atribuir a terceiros, a alguém iluminado, a solução de seus problemas. É ser
passivo diante da onda que engole suas bandeiras históricas. Contudo, enquanto a
cura dos enfermos não atinge os corações vermelhos, ajustes fiscais são
impostos, Selic sobe mais do que pressão, bisturis são lançados no lombo dos
desempregados, bancos públicos elevam suas taxas, movimentos sociais são
deixados em quarentena e o capital segue recebendo sua hóstia consagrada.
quarta-feira, 20 de maio de 2015
Sinopse: Ao som do tambor
Não é só no nordeste, na Bahia, em que as religiões
afrodescendentes são cultuadas. No
sul também se mantém vivo o elo com a África e suas tradições. É o que mostra o
etnodocumentário “O Batuque gaúcho”. Ele traz uma parte pouco conhecida da
cultura do Rio Grande do Sul que foi construída pelos africanos em torno da
religiosidade dos orixás. Conhecido como batuque ou nação, a religião africana
moldou a identidade gaúcha que carrega várias referências africanas, desde as
palavras, comidas, danças, música e espiritualidade. Esse filme expõe a
ancestralidade africana contemporânea que molda o modo de vida e as relações
sociais dos que são filhos de santo e dos que não são.
O documentário é narrado com depoimentos, dança e celebração.
Ao longo da narração, além de explicar as características dos orixás, é
diferenciando a diferença do Batuque para outras religiões: “A diferença entro
o batuque e outras religiões afrodescendentes é puramente litúrgica. Ideológica
e filosoficamente são a mesma coisa. O orixá cultuado pelos gaúchos é o mesmo
cultado pelo Candomblé da Bahia, ou no Xangó, no Recife, ou no Vodum, no Tambor
de Mina do Maranhão”, explica Bàbá Hendrix de Òrúnmìlá, historiador e teólogo.
Ficha Técnica
Produzido pelo Iphan
26 minutos
segunda-feira, 18 de maio de 2015
Danem-se os professores
Danem-se os professores e sua pauta. Estou nem aí para o
reajuste salarial dos servidores estaduais abaixo da inflação. Eu quero é saber
do meu. Não tenho filho em escola pública. Não utilizo hospital público. No meu
bairro não tem bandido e eu ainda pago segurança privada. Danem-se os
professores e se levaram bombas, se os estudantes levaram tiros de borracha,
gás de pimenta, se legalizaram o assalto à Previdência. Nada disso me diz
respeito. Por isso, eles não têm meu apoio. Nem meu repúdio. O que importa é o
meu.
E no meu também tá foda. Não está fácil ser “cidadão de bem”
em nosso estado. Não bater umas panelas, sair de peito aberto e levar umas
borrachadas. Tu nem pegas o carro e já é lembrado que subiu o preço da
gasolina, que 32% desse valor é de ICMS. E antes mesmo de girar a chave, pisca
no seu painel que o IPVA subiu 40% para cobrir os rombos feitos pelo governo do
estado. Nem saiu de casa e já desiste de ir ao supermercado, pois lá também
houve reajuste de impostos estaduais no feijão e arroz. É por isso que tô nem
aí para os professores. E se no meu está complicado, imagine para quem vive de
turismo no Paraná, quando vê a Secretária do Turismo sendo fechada para cortar
despesas, quando percebe a diminuição do fluxo de turistas por causa do pedágio
mais caro do país. Esses comerciantes, microempresários, devem dar saltinhos
emputecidos.
Mas danem-se os comerciantes do litoral ou de qualquer
canto. Eu quero saber do meu. E no meu ainda tá ruim. Porque subiram as taxas
no Detran, mas o trânsito não diminuiu. Subiu a conta de luz em 36%, mesmo eu
economizando. Subiu a conta de água em quase 13%, mas o meu consumo, não. E
também subiu o salário do governador para R$ 33 mil, dos comissionados, de seus
secretários, o lucro dos acionistas, a inflação, mas o meu poder de compra,
não. Danem-se as contas.
Danem-se o povo, pois eu quero saber do meu. E no meu ainda
não entrou nenhum esqueminha. Só meu ordenado. Enquanto isso, os engravatados
do TJ, TCE, do MP recebem quatro paus de auxílio moradia e eu não tenho
dinheiro nem pra pagar a prestação do Minha Casa, Minha Vida. Os
ex-governadores e muitas senhoras ganham uma cacetada de dinheiro sem
representar ninguém. E o Justus, que tinha uma porrada de funcionários
fantasmas, segue sendo deputado. E na Receita Estadual descobrem pagamento de
propina. Puto vida, como isso indigna. Eu ali, pagando imposto direitinho,
retido na fonte, e os camaradas sonegando, subornando, desviando, pagando
campanha política, só vivendo na boquinha.
Danem-se os servidores e suas reivindicações. Danem-se se
não tem política cultural, se a TV Pública é sucateada, se jornalista é
ameaçado, se empregos não são gerados, se as viaturas não têm gasolina, se os
credores estão sendo pagos com o dinheiro dos servidores, se mais uma porrada
de coisa.
Danem-se vocês, pois eu também estou ferrado.
___________
Manolo Ramires
sexta-feira, 15 de maio de 2015
Poema: San Lazaro
Por que o povo recorre a Deus?
Porque lhe faltam os seus
Se ele se embriaga de fé
é sinal que não crê mais no mé
E peregrina de ladainha em ladainha,
preso à religião,
onde busca sua salvação
Porque lhe faltam os seus
Se ele se embriaga de fé
é sinal que não crê mais no mé
E peregrina de ladainha em ladainha,
preso à religião,
onde busca sua salvação
![]() |
TAQUES, Leandro. Festa de San Lázaro |
Contra as dores
Em busca dos amores
Orai, senhoras
Pelas horas
Pelos hijos que se vão embora
Orai com calma
Pois a oração é a luta da alma
E a procissão, o sindicato que lhe salva
Cada um com seus martírios
Com seus sacrifícios
Uns atiram pedras
Outros amarram às pernas
Rastejam em clemência
- Ora, é demência?
- Não vês, que decência!
Com seus sacrifícios
Uns atiram pedras
Outros amarram às pernas
Rastejam em clemência
- Ora, é demência?
- Não vês, que decência!
E segue a festa dos santos
Por Cuba, pelos cantos,
Entoando seus cânticos,
Deixando-nos extáticos,
Na festa de San Lázaro
Por Cuba, pelos cantos,
Entoando seus cânticos,
Deixando-nos extáticos,
Na festa de San Lázaro
__________
Curitiba – 15052015
Manolo Ramires
Manolo Ramires
segunda-feira, 11 de maio de 2015
Artigo: Cenário nebuloso
O brasileiro não tem culpa. Seja ele dono de um título de
eleitor ou não. Cada dia que passa se torna mais difícil até para os “entendidos”
saber ou prever como vão agir os partidos e as massas em diversos níveis. Se
for governo, aperta; se for oposição, se taca pedra. Minimiza seus erros
achando culpado alheio e se vangloria de .... é, não há do que se enaltecer no
momento.
A postura dos partidos e dos políticos é um samba em
descompasso. É o caso do PT, que condena Beto Richa pela violência, mas que
freou na força a greve dos caminhoneiros. Partido contra a terceirização, mas
que não puniu o PMDB quando votou a favor. Sigla que apoio o ajuste fiscal e
olhou feio para o PDT, que nesta pauta, foi contra.
E o PSDB não vai longe. No Congresso, como oposição diz que
defende o trabalhador. Mas nos estados, como São Paulo e Paraná, aumenta
impostos e taxas e senta a borracha em professor. E flerta com a extrema
direita, mesmo querendo pousar de social democracia. E se envergonha de
aplaudir o governo Dilma por medidas que ele mesmo tomaria.
Mas a confusão, ao eleitor, não se restringe aos dois
partidos. Ela se espalha pelo Brasil. Como não elogiar o prefeito Gustavo Fruet
quando abriu as portas da Prefeitura para abrigar os feridos da Batalha do
Centro Cívico? Mas essas mesmas palmas seriam mantidas se soubessem que o
prefeito não valoriza o salário base dos servidores municipais, promove calote
na saúde e educação, não tem coragem de romper com grupos políticos que sugam a
cidade como no transporte? Menino bom ou menino levado?
Neste descompasso da política também entra a sociedade. Povo
que vaia a Dilma num dia e no outro se solidariza com o professor. Povo que
protesta por educação, mas não critica governador violento. Na mesma esteira
entram os sindicatos e movimentos sociais. Apoiar o governo contra o perigo do
retrocesso ou Romper com um governo que utiliza os movimentos sem contrapartida
para se segurar em Brasília? Eis a questão.
De um lado, o cenário é nebuloso. Mas de outro, há algum tempo
a política não estava tão intensa na boca do povo.
_________
#alfinetadodia E a taxação das grandes fortunas, saiu da
pauta do governo federal?
#Bolsadeapostas Os deputados vão protocolar o impedimento de
Beto Richa: ( ) Sim ( ) Não ( ) Já que a vaca tossiu, é mais fácil chover
canivete.
#pingafogo no zap zap. Alguém sabe por que os vereadores de
Curitiba precisam de carros novos?
sexta-feira, 8 de maio de 2015
Artigo: Cai um covarde
Sei que não se deve bater em quem
está caído, como fez o Choque no dia 29 com os manifestantes. Contudo, não há
como deixar de se observar que Fernando Franceschini é um político covarde.
Covarde na prática, não na valentia. Não a toa cabe-lhe o apelido “Valentão do
PIG” e “Batman das Araucárias”. Pois sua carreira se sustenta em um imenso gogó
e em pouca ação política construtiva. Cinco episódios recentes confirmam a característica
de covarde.
O primeiro deles foi realizar uma
campanha política ausente de propostas e centrada no ódio e no preconceito.
Não se via em sua plataforma qualquer discurso ou iniciativa relacionada à
redução da violência, uma vez que é policial federal. A escolha de
Franceschini, pelo contrário, foi no sentido de marginalização dos movimentos
sociais, no discurso fácil da redução da maioridade penal e, principalmente, no
ataque a um partido político sem oferecer qualquer alternativa de
desenvolvimento como reforma política e partidária. Com o bordão “Fora Dillma e
leve o PT junto”, ele se elegeu com votos reacionários e conservadores.
O segundo episódio de covardia
ocorreu quando ele, já secretário de segurança pública, aparece em programa
policial com uma pistola na cintura. Imagem digna de pistoleiro, de faroeste.
Na conversa, o conteúdo era o que menos importava. A escolha foi pelo
convencimento através da intimidação. Muita gente aplaudiu a atitude, afinal,
bandido bom é bandido morto e a lei se fazia presente. Contudo, o revólver
pendurado na cintura impede que quem está do outro lado possa fazer um
confronto de ideias sem temer o saque da arma
.
Por outro lado, é justamente o
terceiro momento em que a aparente valentia se transforma em covardia. Isso
ocorre quando a ‘autoridade’, durante a primeira greve dos professores, é
impedida por um professor de permitir a entrada dos “Deputados do Camburão”
para votar o saque na previdência. A imagem de Franceschini, se escondendo
atrás da tropa, dá a dimensão de uma sociedade que grita muito, bate panela,
mas no mano a mano, se esconde até do debate.
Fuga que se repetiu ao tentar se
eximir do massacre nos servidores públicos culpando a mesma tropa. Ora, até as
capivaras de Curitiba sabiam que havia sede de vingança, que o forte aparato
policial e às duas horas de bombas visavam também restabelecer a imagem da
autoridade pública. Contudo, o que a covardia bombada não previa era a
musculatura da opinião pública. Do pior jeito, Franceschini aprendeu que não
basta se segurar em uma campanha anti-partidária para ter apoio da sociedade.
Ao perceber isso, pois a culpa na PM, que se rebelou.
O último ato de covardia se
desenhou ao tentar ficar no cargo. Ao implorar, segundo fontes oficiais, ao
governador para ser mantido. Afinal, o Batman não podia ser derrotado e
Curitiba City não podia ficar a mercê dos malvados Black blocs – mais este
clichê sustentando por Franceschini. Tivesse saído, feito elogio a tropa e
admitido alguns excessos, poderia manter em estima para muitos a sua imagem. Sairia
injustiçado. Mas preferiu rastejar e acusar as forças policiais. Como servidor
público, ele deveria conhecer a máxima: “governantes passam, a instituição fica”.
Agora, enfim Franceschini cai como
covarde. Ou é empurrado por outro covarde um pouco mais forte que anda balançando.
quinta-feira, 30 de abril de 2015
Crônica: A ordem é atacar
Parte
1 – O Massacre
Parte 2 – A guerra de informações
Parte 2 – A guerra de informações
Parte
3 – As bombas na mente
Parte
1 – O Massacre
![]() |
Foto: Leandro Taques |
"Os senadores não conseguiram suspender a votação". A fala no caminhão de som ecoou como uma senha. Um curto silêncio. Um arrepio na espinha. Começou. Tiros e bombas estouram. A massa começa a recuar. Para. Parece que foi só um curto confronto na linha de frente. “Resistência”, diz, dizem. O pelotão civil desorganizado retoma a fileira. Do outro, lado, organizado, o Choque chega. Tiros. Sem violência. Bomba de gás. Gritos. Jato de água. Corre corre. A fumaça sobe. Os olhos vertem lágrimas de medo, de irritação. Tiro. Bomba. Covardia. Os feridos já aparecem. Costelas marcadas. Costas marcadas de tiro de bomba. Rostos cicatrizados. “Ambulância, ambulância, por favor”. Choque segue avançando. Bomba. Safadeza. A massa foge por onde dá. Os blocs, que mais tarde serviram de bode expiatório para truculência estatal, aventuram-se a resgatar feridos. Tiros. Bomba. As mochilas novamente se abrem. Não tem coquetel molotov. Mais vinagre, panos, magnésio são compartilhados. As espingardas são miradas em direção aos manifestantes que devolvem mirando seis celulares. Mais tarde, se verá vídeos e fotos de pessoas tentando enfrentar no peito a força policial, de jovens escondidos atrás de papelões, da realidade que desmentirá a versão do governo.
Bombas, tiros. A multidão já recuou mais de 100 metros. Se acumulam, espremidas, no contorno da Loba. A Prefeitura de Curitiba vira hospital de campanha. O Choque e o Caveirão seguem avançando. De repente, tudo para. Sessão suspensa. A massa vibra. “Um deputado foi mordido por cachorro”, informam. “Um cinegrafista também”, completam. A massa está entusiasmada. Sabe-se lá porque, tenta avançar. Creem que voltou juízo ao comando do governo do estado. Já se passou mais de uma hora de ataque, de massacre a professores, servidores estaduais, estudantes, sindicalistas e imprensa. Mas o festejo foi curto. O helicóptero da PM, que mais cedo fez vôos rasantes para virar barracas, aparece se deslocando de lado, como beija-flor do caos, e bombas começam a cair novamente na cabeça das pessoas. A massa protesta, o Choque não hesita. Talvez aquelas máscaras sejam vedadas contra o som. Não escutam nada, sequer uma senadora da República apelam que parassem.
Tiros. Bombas. De dentro da Assembléia Legislativa, o presidente ordena que votem, pois o conflito é lá fora. Deputados do Camburão que em fevereiro ficaram com o cu na mão, agora comemoram. A ordem é atacar. A motivação é a vingança. Nas redes sociais já circula a frase: pede intervenção militar e é tratado com educação, peça Educação e ganha intervenção militar. Ninguém os segura. Os milicos e sua sanha por violência. Conforme evacuam o perímetro, sobra espaço pela lateral, na Praça Nossa Senhora de Salete. Mas ninguém se atreve a avançar. Por trás, do ângulo dos agressores, no Palácio do Governo o clima era de total segurança. Ali se podia ver as manobras militares. Os grupos se revezando na proteção de si próprios enquanto outros partiam para o ataque. Alguns PMs pareciam estar constrangidos. Mais tarde se noticiaria que pelo menos 17 foram presos por se negarem a cumprir ordens. "Ordem e progresso" de bater em professores. Mas outros PMs riam ou conversavam sem remorso. Enquanto isso, caixas e caixas eram trazidas com munições. Balas de borrachas.
Bombas de gás. Mais de 1500 disparados. A Assembleia Legislativa virara um paiol. Ao invés da casa do povo, depósito do fogo. Lá se vão duas horas de massacre. Algumas pessoas, cinco, passam presas. São os bodes expiatórios. O Choque, após avançar até a Prefeitura de Curitiba, uns 500 metros, sem sequer ter retrocedido, enfim para. Outro senador da República protesta. A tropa se recolhe. A massa novamente avança, mas sem qualquer alarido. Acabou. A votação sequer começou, mas a resistência fora completamente contida. No chão, capsulas e mais capsulas de balas, sobras de bombas. O povo recolhe os artefatos como troféu. O rapaz do churrasquinho de gato se posiciona novamente. O preço é o mesmo. Agora, com "aroma de pimenta da PM", anuncia. As pessoas vão embora. O caminhão de som anuncia os presos, os feridos e para quais hospitais foram enviados, as caravanas que partem, os pertences encontrados, a esperança vencida.
Termina o massacre. Começa a guerra da informação.
terça-feira, 28 de abril de 2015
Richa agarra a Ditadura
A minha crônica teria o tom ainda ameno. Embora o sangue esteja pulsando, os dedos tremendo e a vontade impulsionando, não queria elevar o tom contra o governo por perceber que os governantes já não são tão capazes de manter o juízo. O título da crônica, nesta perspectiva, seria "Beto Richa flerta com a ditadura".
Os elementos para enxergar isso, durante o primeiro dia de greve, 27 de abril de 2015, são muitos. Simulação de uma votação dentro da assembleia legislativa. Perímetro do Centro Cívico sitiado. Justiça agindo para oprimir. Indignação coletiva calada por uma pistola que a qualquer momento pudesse falar quando fosse acionado. Ao cidadão, a aquele que perde um direito, é dever protestar, é lícito até perder o controle. Ao Estado, senhor de si, dono do monopólio da força, não pode agir ou reagir a uma pedrada, a um olhar feio, a um breve xingamento.
E a desproporção de força era tão grande que não houve confronto ao longo do dia. Mas houve surra. Um verdadeiro lixamento moral em todos os manifestantes, impotentes que estavam ao ouvir (ver fora impedido) os deputados aprovando o assalto de seu futuro. Havia sim uma e outra manifestação, palavras de ordem, mas o clima geral era de velório. Era a morte da democracia. E toda vez que um companheiro, um camarada de luta nos deixa, é obrigatório dizer: presente.
De lamento em lamento seguiria a vigília, rolaria a madrugada. Mas Beto Richa desistiu do flerte com a repressão e tomou a força à Ditadura em seus braços. E agora não há mais como conter as palavras sem temer que elas sejam apagadas a base de borrachada. O governo atravessou a linha que ele mesmo montara. Insatisfeito que está em apenas vencer, Richa quer eliminar e humilhar essa resistência e qualquer outra que venha a ocorrer no futuro. Não há trégua. O padrão da força e medo está estabelecido. Sua prova foi agir na surdina, no meio da madrugada, longe da imprensa e quando a maioria dorme. A tropa foi para o ataque. Choque, gás de pimenta, tiros. Tudo isso em um cenário em que cadeias estão superlotadas, que a corrupção é abafada, que jornalistas são exilados.
O que fazer? Resistir. A mão treme indignada, a verdade foi sequestrada, o medo é o padrão, mas o coração ainda pulsa.
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Foto Leandro Taques
Os elementos para enxergar isso, durante o primeiro dia de greve, 27 de abril de 2015, são muitos. Simulação de uma votação dentro da assembleia legislativa. Perímetro do Centro Cívico sitiado. Justiça agindo para oprimir. Indignação coletiva calada por uma pistola que a qualquer momento pudesse falar quando fosse acionado. Ao cidadão, a aquele que perde um direito, é dever protestar, é lícito até perder o controle. Ao Estado, senhor de si, dono do monopólio da força, não pode agir ou reagir a uma pedrada, a um olhar feio, a um breve xingamento.
E a desproporção de força era tão grande que não houve confronto ao longo do dia. Mas houve surra. Um verdadeiro lixamento moral em todos os manifestantes, impotentes que estavam ao ouvir (ver fora impedido) os deputados aprovando o assalto de seu futuro. Havia sim uma e outra manifestação, palavras de ordem, mas o clima geral era de velório. Era a morte da democracia. E toda vez que um companheiro, um camarada de luta nos deixa, é obrigatório dizer: presente.
De lamento em lamento seguiria a vigília, rolaria a madrugada. Mas Beto Richa desistiu do flerte com a repressão e tomou a força à Ditadura em seus braços. E agora não há mais como conter as palavras sem temer que elas sejam apagadas a base de borrachada. O governo atravessou a linha que ele mesmo montara. Insatisfeito que está em apenas vencer, Richa quer eliminar e humilhar essa resistência e qualquer outra que venha a ocorrer no futuro. Não há trégua. O padrão da força e medo está estabelecido. Sua prova foi agir na surdina, no meio da madrugada, longe da imprensa e quando a maioria dorme. A tropa foi para o ataque. Choque, gás de pimenta, tiros. Tudo isso em um cenário em que cadeias estão superlotadas, que a corrupção é abafada, que jornalistas são exilados.
O que fazer? Resistir. A mão treme indignada, a verdade foi sequestrada, o medo é o padrão, mas o coração ainda pulsa.
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Foto Leandro Taques
sexta-feira, 10 de abril de 2015
quarta-feira, 25 de março de 2015
Inédita lembrança – trecho de um filme futurista
...nos dias quando fazia sol, a sociedade e o mundo já se haviam acabado, era seu hábito escolher, no jogo de dados, um dos pontos da cidade abandonada que lhe despertasse alguma forma de recordação. Bastava traçar um mapa, eliminar os pontos já lembrados anteriormente, já imersos e submersos, e partir em busca de novos passados e velhas vivências. Pesadas, maciças, densas, recuperáveis a certo preço. Podia ser alguma casa onde viveu, alguma várzea onde brincou com a filha, algum vazio de mesa e cadeira onde o amor. Escolhia as tardes sem nuvens, normalmente nos invernos. Já se haviam passado vários deles. Perdera a conta. Ele, na condição de um dos últimos remanescentes, encontrava essa maneira de estabelecer alguma conexão com os fatos, em um planeta que já não vivia mais de fatos. Há anos ele se revezava entre os dias quando ficava escondido na sua toca contra qualquer possível inimigo e também contra a umidade do ar. E o restante das horas era dedicado a buscar referências afetivas. O que podia ser tedioso tornava-se excitante, um estranho empirismo, buscado ao inverso, essa procura em vôo cego de pedaços de mundo que ele já nem se lembrava que se lembrava. E assim sua vida não parecia sem perspectiva e o caminho o projetava para seguir traçando o mapa. Dia a dia, novos lugares vividos saltavam aos olhos, o forçavam a deter-se em frente. E ele aguardava ansioso pela inédita lembrança....
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Por Pedro Carrano
quarta-feira, 4 de março de 2015
Crônica: Estádios e lutas populares
Por Manoel Ramires
Atualmente o Paraná Clube é considerado o primo pobre dos
clubes da capital paranaense, atrás de Atlético Paranaense e Coritiba. Mas nem
sempre foi assim. Sendo resultado da fusão do Pinheiros e Colorado, que também
vieram de outra fusões, o time foi seis vezes campeão estadual em dez
anos. Possuía a maior sede social e seus
frequentadores pertenciam à elite curitibana. No entanto, essa história foi se
diluindo e o time de futebol atravessando más fases, estando há sete anos na
Série B do futebol nacional e correndo o risco de fechar no fim do ano, segundo
um diretor.
Seria um final trágico para o tricolor da Vila Capanema,
cujo estádio, Durival Britto e Silva, que era superintendente da Rede de Viação
Paraná-Santa Catarina, foi uma doação para o time de futebol formado por seus
funcionários, em 1947. Contudo, uma nova áurea pode ter atingido o estádio
nesta data: 4 de março de 2015. Neste dia, cerca de 20 mil professores rejeitaram
a proposta governamental e decidiram continuar greve contra atrasos salariais e
a tentativa do governador Carlos Alberto Richa de se apropriar da Previdência
dos trabalhadores.
Agora, a Vila Capanema se une a seleta história de estádios
de futebol que foram utilizados a favor da luta dos trabalhadores, na luta de
classes. Um deles foi São Januário, do
Vasco da Gama, na década de 1940. O Gigante da Colina abrigou as festividades
do 1º de Maio em 1941, 42, 43, 45 e 51, promovidas por Getúlio Vargas. Foi
neste estádio, por exemplo, que foram anunciadas a criação do salário mínimo e
da Justiça do Trabalho. Com média de público de 40 mil pessoas, ocorriam
discursos e partidas de futebol, inclusive de times sindicais, como em 1945.
Cabe destacar que o Vasco da Gama foi o primeiro clube a permitir negros no
campo futebol (honra disputada com Bangu e Ponte Preta na década de 1920).
Maria, Marianela, Marieta. Narrativa de uma mulher salvadorenha
Por Pedro Carrano
E Maria não se dava
conta. De tão
acostumada, não punha os olhos em alerta, nem os ombros tensos, nem tinha o
silêncio de espanto como aquele nosso.
Éramos nós quem apontávamos as contradições: galerias
comerciais imensas, contornadas pelo néon das grandes redes de comida rápida.
Indígenas baixinhos defendendo farmácias e lojas com fuzis M-12. Senhoras
carregando a bolsa com as duas mãos, na frente do corpo. Muitos telhados e
paredes de zinco à beira das ruas, das estradas, dos morros.
Em San Salvador, o túmulo do bispo Oscar Romero fica
escondido no subsolo da igreja central, enquanto os fiéis e as mercadorias
transitam livres pelos mercados populares.
terça-feira, 3 de março de 2015
Poema: Amar no improviso
Amar, não obstante que seque minha alma,
quero constante e sem calma
Dar mil passos em sua direção,
sempre seguindo sua rotina,
pela qual tenho predileção
Amar sem responsabilidade,
sem idade,
sem aposentadoria
ou pensão
Ver os anos chegando,
suas marcas em desalinho,
o carbernet desse vinho,
que degusto em encanto
Amar de peito aberto,
sincero,
ou nem tanto,
minimizando o pranto
e ampliando o afeto.
Amar de improviso e sem cura
deste sentimento de eterna candura
Manolo Ramires – 03.03.2015
segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015
Crônica. Gentil e os nossos fragmentos
Por Pedro Carrano* (um aceno a um dos melhores seres humanos que conheço)
O ônibus passa em frente às estações-tubo, com certo risco de espremer alguém entre a velocidade das portas.
As janelas me conduzem a alguma distração nesse começo de 2015 de tantos apontamentos.
Ainda era 2009. Minha filha conseguia se equilibrar em um só antebraço. Gentil entrava em casa. Pequeno, veloz. A cabeça altiva, comandando e bem logo desfazendo a aparência de um corpo limitado e frágil.
´Só serão salvos os que forem flechas /capazes de uma nova ilusão / nada tem fim se ardes /o colosso celeste nas ondas futuras.
Só serão salvos os que soprarem /no carvão musical a sede´, Fernando José Karl.
Só serão salvos os que soprarem /no carvão musical a sede´, Fernando José Karl.
As janelas me conduzem a alguma distração nesse começo de 2015 de tantos apontamentos.
Ainda era 2009. Minha filha conseguia se equilibrar em um só antebraço. Gentil entrava em casa. Pequeno, veloz. A cabeça altiva, comandando e bem logo desfazendo a aparência de um corpo limitado e frágil.
domingo, 22 de fevereiro de 2015
Crônica: Domingo na greve
Só que no caminho até o MON as ruas deste dia colorido estavam bloqueadas ou com desvios. A locomoção de carro se tornara mais difícil, principalmente para aqueles que desconhecem atalhos da cidade. Por sorte que é domingo. Assim não se criam congestionamentos, nem filas de carros pela manhã. O 'transtorno' aos motoristas ocorre justamente para devolver um pouco a cidade aos cidadãos. Pois, dentro do perímetro interditado, as avenidas são ocupadas por bicicletas e corredores que podem usufruir do espaço sem o incomodo de levarem um buzinada ou poderem ser atropelados. E os atletas de fim de semana se locomovem tranquilamente, de um lado ao outro, quem sabe até o próprio Olho, que é o ponto de encontro da galera. Porque o museu dos paranaenses tem mais do que cultura exposta. Ele possui um grande vão livre e um enorme gramado ao seu lado. Espaço utilizado por aquelas famílias, namoradas, amigos ou solitários que não estão muito interessados em arte e querem apenas um pouco de lazer fora dos shoppings.
Circundando o trânsito impedido, aproximo-me do Museu Oscar Niemeyer, mas não estaciono por essas bandas. Sigo em outra direção, passando em frente ao Tribunal de Contas do Estado, que fica escondido atrás do MON, contorno e paro o carro no estacionamento localizado nos fundos do prédio. Já é possível ver na frente do Palácio Iguaçu diversas barracas e bandeiras da ocupação dos professores estaduais em greve contra os pacotes de maldade do governador Carlos Alberto Richa. Gente vinda de todo o estado para não permitir que o governo saqueie de sua poupança 8 bilhões de reais sob o pretexto de uma crise financeira. Ainda a distância, tudo aparenta estar muito tranquilo. Não há barulho, corre corre, os pendões não tremulam, o carro de som não esperneia, quase nada. Cenário bem diferente de doze de fevereiro, quando os deputados governistas, contrariando a vontade de mais de trinta mil pessoas nas ruas, queriam votar na marra o pacotaço. Nem que para isso tivessem que entrar na Assembleia Legislativa, localizada ao lado do Palácio, dentro de um carro blindado do Choque, no episódio que ficou conhecido como “Bancada do Camburão”.
sábado, 21 de fevereiro de 2015
Kollon 3endon Dababaat (Subtitulado al Español)
Vendo documentário na Globo News sobre o Estado Islâmico, me interessei pela expressão sharia, que é a lei que serve de subsídio para o comportamento e o julgamento das pessoas e dos "infiéis".
Eis que na minha busca rápida do Google foi sugerido, enquanto escrevia sharia, o nome de Shadia Mansour. Curioso que sou, colei o nome no YouTube para ver no que dava.
Surgiu aos meus ouvidos uma canção cheia de dor, cujo o refrão, cantado em árabe (se não me engano, assim como toda a canção), diz: "Eles têm tanques, nós temos pedras; Eles derrubam nossas casas e matam nossos filhos, Liberdade para a Palestina, aos heróis de Gaza" e "é preciso acabar com o sionismo - bang, bang".
A música mistura a melodia tradicional ao meu ouvido ocidental da dança árabe com o rap de luta. Ela ainda enfoca o sonho palestino de liberdade com as idéias de Che Guevara.
É uma interessante "descoberta" para observar como a cultura, a música e a tecnologia se movimentam e interagem. Serve para sentir a dor e os anseios sem o filtro do interesse político e financeiro daqueles que transportam a informação.
quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015
Poema: Quase uma bossa
Quase uma Bossa
Por
que não me dá cartaz
Eu
declaro meu amor
e
você desfaz
Eu
tô na rua
com
a multidão
de
punho erguido
Essa
é a minha missão
Eu
tenho o grito
a
ordem na garganta
Te
chamo ao agito
Você
se faz de santa
Por
que não me deixa em paz
Mas
que terror
Isso
não se faz
O
teu carinho é rota em desatino
Acuse
o golpe, meu tolo menino
Não
me adianta as tuas juras de amor
Se
a dita dura não é lá um primor
Mesmo
assim, não fique desiludido
querendo
quebrar tudo, do rico ao pobre
Se
não lhe banco, por favor, não me cobre
É
que pra mim, você é um mal partido
Você
tem mente de capataz
se
mente no teorjamais que me apraz
quarta-feira, 7 de janeiro de 2015
Mais uma onda
- Não dá para olhar o presente como se fosse um retrato de nosso passado -, interrompeu-me um pensamento qualquer enquanto eu olhava a preguiça das ondas de um mar marrom outrora esverdeado.
A ligeira provocação agora fazia sentido. Nos habituamos a procurar no passado os argumentos e momentos que possam justificar nossas atuais posturas. Mesmo que tenhamos mudado completamente, tornado-nos flexíveis, toleráveis, insistimos em negar que não somos mais os mesmos para não abandonarmos o que fomos ou por aquilo sermos abandonados.
A praia, na praia, as pranchas novas criam antigas espumas, o campo de areia é disputado por chuteiras feitas de unhas e pés descalços e os raios solares de não sei quanta centena de anos douram as damas. Essa é a concepção que tenho desde sítio quando tinha meus quinze anos e quase duas décadas depois. Pouca coisa mudou. A sujeira pela manhã está lá. Copinhos plásticos, bagaços de milho, palitos de sorvete. Antes era eu que não percebia. Muita coisa está diferente. A orla da praia, os novos quiosques, as pessoas que não faço ideia de quem sejam e de onde vêm. Regressei diversas vezes a esses mundo sempre a procura de um quadro, de uma tela marcante, enquanto que muros foram sendo grafitados, amigos mortos, perdidos e esquecidos, lajotas trocadas por asfalto, pinga com mel substituída por uísque com energético.
- Não somos o que fomos, muito menos o que propomos - novamente me desnuda a mente.
Mesmo assim, insistimos em não querer partir, em resgatar, em construir uma memória que por si construiu sua história independente de nossa vontade. É como o cabelo comprido que cai, como a barriga que cresce, como o partido que de suas bandeiras, na prática, se despede, como a cegueira leve que se impõe e propõe os óculos.
Memória X História.
A última onda quebra após a última onda e uma nova primeira onda se antecipa a infinitas novas ondas que se formam no oceano. É isso. Não é caso de se lamentar. Apenas mergulhar em uma nova poça, em muitas poças em busca das convicções que se evaporaram.
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