sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Uma divindade chamada Pelé

 Não gosto do Edson. Adoro Pelé. Edson foi um menino pobre que cresceu socialmente com o fruto do seu labor,  conquistando patamares imagináveis para um negro. Pelé já nasceu lapidado, senhor de si, um Buda. Edson, embora de fama, nunca exerceu sua influência para melhorar a vida ou denunciar os problemas daqueles que não tiveram mérito. Desde cedo foi cooptado. Pelé, embora negro, sempre esteve em campo a desafiar soberbas paulistas, brasileiras e européias. Desde cedo era um revolucionário. E Edson, de costas aos seus, abraçou e acariciou os poderosos, os ditadores, a turma de olhos azuis e sotaque gringo, o sonho dos outros. Edson era um cachorro de madame. Já Pelé exercia o fascínio na sua gente, na estima e nos brios, foi guerreiro, batalhador, fiel aos nossos princípios de leveza e alegria, um belo do futebol. Pelé era um vira-lata puro sangue. A Edson faltou um pouco de Diego, nas cagadas e façanhas. A Pelé, não faltou Maradona.

Deixemos, portanto, Edson de lado e concentremo-nos em Pelé, que é eterno. Aí, que me desculpem os argentinos, mas não há comparação em campo. Se querem compará-lo, que seja a Gardel, que elevou o espírito da plata rabiscando pelos salões, a Che, que ousou subverter a lógica e libertar o povo, assim como Pelé libertava o grito de gol em sucessivos  orgasmos coletivos.

A Pelé, com resquícios de Edson, para compará-lo, tem que ser a um Wagner, de sublime composição, mas suspeito de oprimir e servir de base para os arianos, a Ludwig, das tempestades sinfônicas e do desdém à corte. Pelé se compara a Picasso nos quadros, no improviso, não ao Pablo, que seria amigo de Edson. Pelé é Shakespeare do amor ideal, do drama, é Niemeyer ao antever o futuro e o lance, Pelé se compara a Cortázar do tipo de criatura fantástica que supera o criador.

Pelé não era Rei. Não há dádiva nenhuma em ser monarquia e cultivar súditos. É uma condição imutável com a qual não se tem controle. Se acostuma. Pelé é deus. Não essa divindade cristã, onipotente e onipresente. Essa figura infalível e distante da Terra. O Pelé Deus é grego. Forjado da união de Ares com Baco, apadrinhado por Iriana, abençoado por Oxalá e cativado por Obá. É aquele que põe nas canetas de Thor, que chapela Superman,  afundando um agonizante Goku. E sai para a comemoração com um soco para o alto, com o punho cerrado, como aqueles que amam a luta gostam de fazer, mandando energias para o universo e deixando por aqui mais um ano, o 75, do Edson Arantes do Nascimento.