quarta-feira, 25 de março de 2015

Inédita lembrança – trecho de um filme futurista

 ...nos dias quando fazia sol, a sociedade e o mundo já se haviam acabado, era seu hábito escolher, no jogo de dados, um dos pontos da cidade abandonada que lhe despertasse alguma forma de recordação. Bastava traçar um mapa, eliminar os pontos já lembrados anteriormente, já imersos e submersos, e partir em busca de novos passados e velhas vivências. Pesadas, maciças, densas, recuperáveis a certo preço. Podia ser alguma casa onde viveu, alguma várzea onde brincou com a filha, algum vazio de mesa e cadeira onde o amor. Escolhia as tardes sem nuvens, normalmente nos invernos. Já se haviam passado vários deles. Perdera a conta. Ele, na condição de um dos últimos remanescentes, encontrava essa maneira de estabelecer alguma conexão com os fatos, em um planeta que já não vivia mais de fatos. Há anos ele se revezava entre os dias quando ficava escondido na sua toca contra qualquer possível inimigo e também contra a umidade do ar. E o restante das horas era dedicado a buscar referências afetivas. O que podia ser tedioso tornava-se excitante, um estranho empirismo, buscado ao inverso, essa procura em vôo cego de pedaços de mundo que ele já nem se lembrava que se lembrava. E assim sua vida não parecia sem perspectiva e o caminho o projetava para seguir traçando o mapa. Dia a dia, novos lugares vividos saltavam aos olhos, o forçavam a deter-se em frente. E ele aguardava ansioso pela inédita lembrança....
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Por Pedro Carrano

quarta-feira, 4 de março de 2015

Crônica: Estádios e lutas populares

Por Manoel Ramires

 Atualmente o Paraná Clube é considerado o primo pobre dos clubes da capital paranaense, atrás de Atlético Paranaense e Coritiba. Mas nem sempre foi assim. Sendo resultado da fusão do Pinheiros e Colorado, que também vieram de outra fusões, o time foi seis vezes campeão estadual em dez anos.  Possuía a maior sede social e seus frequentadores pertenciam à elite curitibana. No entanto, essa história foi se diluindo e o time de futebol atravessando más fases, estando há sete anos na Série B do futebol nacional e correndo o risco de fechar no fim do ano, segundo um diretor.

Seria um final trágico para o tricolor da Vila Capanema, cujo estádio, Durival Britto e Silva, que era superintendente da Rede de Viação Paraná-Santa Catarina, foi uma doação para o time de futebol formado por seus funcionários, em 1947. Contudo, uma nova áurea pode ter atingido o estádio nesta data: 4 de março de 2015. Neste dia, cerca de 20 mil professores rejeitaram a proposta governamental e decidiram continuar greve contra atrasos salariais e a tentativa do governador Carlos Alberto Richa de se apropriar da Previdência dos trabalhadores.

Agora, a Vila Capanema se une a seleta história de estádios de futebol que foram utilizados a favor da luta dos trabalhadores, na luta de classes.  Um deles foi São Januário, do Vasco da Gama, na década de 1940. O Gigante da Colina abrigou as festividades do 1º de Maio em 1941, 42, 43, 45 e 51, promovidas por Getúlio Vargas. Foi neste estádio, por exemplo, que foram anunciadas a criação do salário mínimo e da Justiça do Trabalho. Com média de público de 40 mil pessoas, ocorriam discursos e partidas de futebol, inclusive de times sindicais, como em 1945. Cabe destacar que o Vasco da Gama foi o primeiro clube a permitir negros no campo futebol (honra disputada com Bangu e Ponte Preta na década de 1920).

Maria, Marianela, Marieta. Narrativa de uma mulher salvadorenha

Por Pedro Carrano

E Maria não se dava conta. De tão acostumada, não punha os olhos em alerta, nem os ombros tensos, nem tinha o silêncio de espanto como aquele nosso.

Éramos nós quem apontávamos as contradições: galerias comerciais imensas, contornadas pelo néon das grandes redes de comida rápida. Indígenas baixinhos defendendo farmácias e lojas com fuzis M-12. Senhoras carregando a bolsa com as duas mãos, na frente do corpo. Muitos telhados e paredes de zinco à beira das ruas, das estradas, dos morros.

Em San Salvador, o túmulo do bispo Oscar Romero fica escondido no subsolo da igreja central, enquanto os fiéis e as mercadorias transitam livres pelos mercados populares.

terça-feira, 3 de março de 2015

Poema: Amar no improviso


Amar, não obstante que seque minha alma,
 quero constante e sem calma

Dar mil passos em sua direção,
sempre seguindo sua rotina,
pela qual tenho predileção

Amar sem responsabilidade,
sem idade,
sem aposentadoria
ou pensão

Ver os anos chegando,
suas marcas em desalinho,
o carbernet desse vinho,
que degusto em encanto

Amar de peito aberto,
sincero,
ou nem tanto,
minimizando o pranto
e ampliando o afeto.

Amar de improviso e sem cura
deste sentimento de eterna candura


Manolo Ramires – 03.03.2015