domingo, 22 de fevereiro de 2015

Crônica: Domingo na greve

Lá pelos lados do Centro Cívico fica localizado um dos principais símbolos de orgulho do curitibano. Trata-se do Museu Oscar Niemeyer, popularmente conhecido como Museu do Olho. O local é rota dos ônibus de turismo e dos moradores da capital. Ainda mais em um domingo ensolarado de verão. Oportunidade ideal para reunir a família, namorados, amigos ou ir sozinho para ver alguma exposição.

Só que no caminho até o MON as ruas deste dia colorido estavam bloqueadas ou com desvios. A locomoção de carro se tornara mais difícil, principalmente para aqueles que desconhecem atalhos da cidade. Por sorte que é domingo. Assim não se criam congestionamentos, nem filas de carros pela manhã. O 'transtorno' aos motoristas ocorre justamente para devolver um pouco a cidade aos cidadãos. Pois, dentro do perímetro interditado, as avenidas são ocupadas por bicicletas e corredores que podem usufruir do espaço sem o incomodo de levarem um buzinada ou poderem ser atropelados. E os atletas de fim de semana se locomovem tranquilamente, de um lado ao outro, quem sabe até o próprio Olho, que é o ponto de encontro da galera. Porque o museu dos paranaenses tem mais do que cultura exposta. Ele possui um grande vão livre e um enorme gramado ao seu lado. Espaço utilizado por aquelas famílias, namoradas, amigos ou solitários que não estão muito interessados em arte e querem apenas um pouco de lazer fora dos shoppings.

Circundando o trânsito impedido, aproximo-me do Museu Oscar Niemeyer, mas não estaciono por essas bandas. Sigo em outra direção, passando em frente ao Tribunal de Contas do Estado, que fica escondido atrás do MON, contorno e paro o carro no estacionamento localizado nos fundos do prédio. Já é possível ver na frente do Palácio Iguaçu diversas barracas e bandeiras da ocupação dos professores estaduais em greve contra os pacotes de maldade do governador Carlos Alberto Richa. Gente vinda de todo o estado para não permitir que o governo saqueie de sua poupança 8 bilhões de reais sob o pretexto de uma crise financeira. Ainda a distância, tudo aparenta estar muito tranquilo. Não há barulho, corre corre, os pendões não tremulam, o carro de som não esperneia, quase nada. Cenário bem diferente de doze de fevereiro, quando os deputados governistas, contrariando a vontade de mais de trinta mil pessoas nas ruas, queriam votar na marra o pacotaço. Nem que para isso tivessem que entrar na Assembleia Legislativa, localizada ao lado do Palácio, dentro de um carro blindado do Choque, no episódio que ficou conhecido como “Bancada do Camburão”.

Contudo, a pressão popular quebrou o cerco policial e elevou a pressão daqueles que votavam escondidos no restaurante, uma vez que o Plenário estava tomado. O medo e o cagaço do ocupaço fez com que a votação fosse interrompida e o projeto retirado da pauta. O clima tenso, que por um triz não se tornou em tragédia, foi revertido pelo orgulho da vitória numa batalha. E os lances desse embate, milhares de pessoas unidas tal qual formigas, faixas, gás de pimenta, flores, cachorros, grevistas armados de razão, policiais desarmados de ação com seus soldos também comprometidos, imprensa, câmeras, filmadoras, microfones, tensão no rosto dos governistas, cansaço na face dos oposicionistas, megafone, grades rompidas, vergonha exposta foram registrados nas lentes de diversos repórteres fotográficos. Imagens que estão sintetizadas na exposição de cinco deles, organizada pelos Sindicatos dos Jornalistas do Paraná (Sindijor) e Professores (APP-Sindicato) dentro do acampamento de resistência.

É para vivenciar este momento que troquei o MON, o passeio de bicicleta, o parcão, o Domingo no Parque pelo Domingo na Greve. Quem já vivenciou esses momentos de embate, sabe que sempre há oportunidades para relaxar, sempre há instantes de pausa na guerra. Cujo o assunto não é, por exemplo, o protesto ocorrido dias antes em frente ao TCE, escondido atrás do MON, onde seus ocupantes indicados pelo governo estadual negaram o auxílio transporte de trezentos reais aos professores, mas se concederam auxílio moradia – sem necessidade de comprovação – de quatro mil e quatrocentos reais. Nestas horas, pelo contrário, as injustiças dão lugar a solidariedade daquele que oferece o bolo vindo no oeste do estado, de um que divide o carregador de celular, do outro que compartilha o papel higiênico com o colega de trabalho do norte do estado, daquele que traz água quente para o chimarrão coletivo. E por aí se vai com gente contando sobre as dificuldades de sua turma, da falta de material escolar, do tráfico que faz a ronda na escola, das agruras do cotidiano que só não são maiores do que o dom de ensinar e lutar, de ensinar a lutar.

É o momento da fraternidade do diálogo, aquele mesmo que o governador diz possuir, mas que deve exercer apenas em seu governo de veraneio na longíqua República de Porto Belo (Santa Catarina) onde, no carnaval, alheio a toda dor e sofrimento daqueles que se alimentam das esperanças vizinhas, desfila de bicicleta importada e fones de ouvidos como um piá de prédio. Se tivesse respeito pela educação, pelos milhares de jovens da classe média ou pobres que saem atrás na corrida do vestibular, visitaria o acampamento, ouviria as estórias de muitos deles, explicaria porque o estado está quebrado, porque reajustou seu próprio salário para 33 mil reaia porque chamou aqueles que lutam pelos seus direitos de baderneiros sem sequer quebrarem uma vidraça ou apenas ds vítimas de manipulação partidária.

Mas não, neste acampamento, as sombras dos covardes não se aproximam. Em seu lugar, apenas se sente o forte cheiro de estrume de cavalo, que na verdade é o cheiro expelido pela grama castigada após dias de chuvas e de lutas. Detalhe, quiçá, irrelevante diante do aroma de café com leite que é servido neste momento aos grevistas e
aos que acompanham a exposição fotográfica no domingo da greve.

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Manolo Ramires é jornalista e cronista. Escreveu "Vozes da Consciência" e "Crônicas dos Excluídos

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