- Não dá para olhar o presente como se fosse um retrato de nosso passado -, interrompeu-me um pensamento qualquer enquanto eu olhava a preguiça das ondas de um mar marrom outrora esverdeado.
A ligeira provocação agora fazia sentido. Nos habituamos a procurar no passado os argumentos e momentos que possam justificar nossas atuais posturas. Mesmo que tenhamos mudado completamente, tornado-nos flexíveis, toleráveis, insistimos em negar que não somos mais os mesmos para não abandonarmos o que fomos ou por aquilo sermos abandonados.
A praia, na praia, as pranchas novas criam antigas espumas, o campo de areia é disputado por chuteiras feitas de unhas e pés descalços e os raios solares de não sei quanta centena de anos douram as damas. Essa é a concepção que tenho desde sítio quando tinha meus quinze anos e quase duas décadas depois. Pouca coisa mudou. A sujeira pela manhã está lá. Copinhos plásticos, bagaços de milho, palitos de sorvete. Antes era eu que não percebia. Muita coisa está diferente. A orla da praia, os novos quiosques, as pessoas que não faço ideia de quem sejam e de onde vêm. Regressei diversas vezes a esses mundo sempre a procura de um quadro, de uma tela marcante, enquanto que muros foram sendo grafitados, amigos mortos, perdidos e esquecidos, lajotas trocadas por asfalto, pinga com mel substituída por uísque com energético.
- Não somos o que fomos, muito menos o que propomos - novamente me desnuda a mente.
Mesmo assim, insistimos em não querer partir, em resgatar, em construir uma memória que por si construiu sua história independente de nossa vontade. É como o cabelo comprido que cai, como a barriga que cresce, como o partido que de suas bandeiras, na prática, se despede, como a cegueira leve que se impõe e propõe os óculos.
Memória X História.
A última onda quebra após a última onda e uma nova primeira onda se antecipa a infinitas novas ondas que se formam no oceano. É isso. Não é caso de se lamentar. Apenas mergulhar em uma nova poça, em muitas poças em busca das convicções que se evaporaram.
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