Deixa-me! Não estarei só*
À Regine Olsen
Um coração abandonado jamais prossegue sozinho.
Acompanham-no nesse instante suas paixões:
Ele é acolhido pela angústia
É tomado pela cólera
Acalenta-se com a melancolia
Lamenta ao lado do ódio e abraça a compaixão
Requer e se apega à esperança, sequer repele a vingança.
Um coração reprimido nunca fica solitário.
A sua consciência apresenta-se como guarda-chuva
para a tempestade nos olhos;
Ela estende a mão à dúvida, ele se reprime.
Um coração prefere a insegurança, prefere o pânico
sorri para a individualidade, lamenta que haja a solidariedade e pactua com a mentira
Nesse momento, até a loucura e o juízo se unem para embalá-lo com um cântico de ninar.
Um coração esquecido jamais dói perdido.
Os remédios – calmantes e antiinflamatórios –
são escondidos pelo organismo.
E as dores se encontram pelo corpo.
As costas choram e se contorcem com os suspiros do pulmão.
A azia queima
A testa enrugasse e se esconde como um cão de rua molhado,
chutado num beco gelado por aquele que sugeria recolhê-lo.
A boca racha
As córneas vulcanizam
Os olhos entram em erupção
A garganta arranha
O nariz corrói
Os ouvidos explodem em estampidos de silêncio.
E as unhas, as pontiagudas unhas, sagram as mãos!
O coração desamparado, coagido e afastado
evita os préstimos dos sentimentos, dos conhecimentos e do físico.
O coração, sôfrego, prefere estar desamparado.
Mas da Ausência é impossível exilar-se:
Tanto que o pescoço e os ombros se revelam tensos
No caminho entre os sonhos e os pensamentos.
Ah, quanto encontro consigo
ocorre durante a solidão humana
em que o incidente exíguo
desperta instintos nobres e profanos
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* Do livro, "30 poemas e contos que doem"
Manolo Ramires
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