O prédio das viúvas fica lá no
Centro Cívico. Ele abriga algumas senhoras de avançada idade. O que é por si só
um bom motivo para não terem mais maridos. Outras até têm fisionomia de
senhoritas e são realmente mais jovens. Menos de 40. Mesmo assim, estão sem
companheiros. São ex-esposas de militares, ex-mulheres de bancários,
jornalistas, funcionários públicos e até, mal dizem, dum operário.
Que habitação incrível! Um prédio
só de viúvas. Tudo bem que não é um arranha céu com trinta e tantos andares.
Têm lá no máximo quinze apartamentos. Todos ocupados por esposas viúvas da
silva. Curiosamente, até mesmo os três imóveis alugados são resididos por
mulheres cujos maridos faleceram. Nesta perspectiva, entende-se que ali mulher
desquitada não reside. Se há uma exceção no local, é o porteiro. Ele é casado e
tem netos. Mas nem ele ou tampouco sua esposa moram no Village Viuvez.
Sei bem. Você que lê esta crônica
está a pensar: “É literatura fantástica! É invencionice desembestada! Esse cara
fumou alguma coisa ou excedeu na cana! Só falta escrever que o prédio das
viúvas tem paredes roxas com texturas em faixas enegrecidas em sinal de luto
constante. Ou vai sugerir que o local, na verdade, serve de fachada para um
grande bingo ou qualquer outra barbaridade”. Mas peço um voto de confiança ao
meu relato. Ele é verídico! Só não revelo o local exato por prudência. Imagine
só quanta gente ia querer tirar proveito dessas mulheres. Bater-lhe-iam as
portas agências de turismo ou de crédito consignado, empresas de seguro ou
vendedores personalité de remédios.
Com má sorte, estelionatários e políticos pedindo votos ou números de RG para
contratar seus mortos maridos. Pelo lado do Centro Cívico, mortos vivos
trabalhando são normais. Eles se materializam e batem ponto nos poderes locais.
Todavia, isso é tema para outra crônica.
Por hora, asseguro que o prédio e
as viúvas existem. Quem me confidenciou foi um recenseador do IBGE que visitou
minha casa. Porque abriu o bico, não desconfio. Só sei que me contou alguns
problemas vivenciados por elas. Cito dois para legitimar esta crônica: a falta
de hospitais e de ambientes propícios para lazer no bairro. São os casos de Dona Margarida e Dona
Magnólia. Nomes inventados. Mas só desta vez. O que não é mentira é que Dona
Margarida é uma superatleta amadora sem apoio da Secretaria Municipal de Saúde.
É um ícone! Ela começa sua atividade física com uma caminhada de 250 metros até
o ponto de ônibus mais próximo. Depois, aos 73 anos, ela e sua asma, exercitam
Yoga ao esperar pelo transporte. Vencidas essas etapas, Dona Margarida se equilibra
em pé no micro-ônibus para ir à Unidade de Saúde Ouvidor Pardinho, no Rebouças.
Veja você quanta força de vontade para se consultar com o gerontologista e para pegar o remédio popular que
poderia ser entregue em sua casa, caso houvesse um programa delivery de assistência à saúde. Realmente,
como apurou o amigo do IBGE, Dona Maga pratica um novo esporte no país. É o ‘idoso
maratona’!
Já Dona Magnólia é mais
inconformada com a situação geral. Ocorre que ela tem frequentado os bailes da
Melhor Idade e notado que as senhoras viúvas de outros bairros estão em melhor
forma física do que a sua. As mulheres dançam, paqueram e se divertem como se
tivessem apenas uns cinquenta aninhos. A razão da longevidade “das rivais” deixa
ranzinza Dona Margo. A resistência física rival predomina porque no bairro delas
existem academias ao ar livre. Mas, no Centro Cívico, perto do prédio das viúvas,
não. Por isso, Margo espera que o
levantamento do IBGE seja utilizado pela Secretaria Municipal de Esporte e Lazer
como fonte de dados para que uma academia pública seja construída em seu bairro.
Malhada, ela poderá competir na categoria ‘Pé de valsa’ do concurso que é
promovido secretamente no prédio das viúvas.
Enquanto isso não ocorre, muitas
outras historinhas poderiam se contadas sobre o prédio e suas moradoras. Mas
nem a minha criatividade para embustes nem o dedo duro do recenseador podemos revelar tais enigmas. Cabe, portanto, a você procurar entre
o Palácio do Governo, Museu do Oscarito, Bosque do Papa onde fica o prédio e,
quem sabe, se candidatar a marido ou a tutora...
__________
Manolo Ramires
Nenhum comentário:
Postar um comentário