segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Crônica: Village Viuvez


 O prédio das viúvas fica lá no Centro Cívico. Ele abriga algumas senhoras de avançada idade. O que é por si só um bom motivo para não terem mais maridos. Outras até têm fisionomia de senhoritas e são realmente mais jovens. Menos de 40. Mesmo assim, estão sem companheiros. São ex-esposas de militares, ex-mulheres de bancários, jornalistas, funcionários públicos e até, mal dizem, dum operário.

Que habitação incrível! Um prédio só de viúvas. Tudo bem que não é um arranha céu com trinta e tantos andares. Têm lá no máximo quinze apartamentos. Todos ocupados por esposas viúvas da silva. Curiosamente, até mesmo os três imóveis alugados são resididos por mulheres cujos maridos faleceram. Nesta perspectiva, entende-se que ali mulher desquitada não reside. Se há uma exceção no local, é o porteiro. Ele é casado e tem netos. Mas nem ele ou tampouco sua esposa moram no Village Viuvez.


Sei bem. Você que lê esta crônica está a pensar: “É literatura fantástica! É invencionice desembestada! Esse cara fumou alguma coisa ou excedeu na cana! Só falta escrever que o prédio das viúvas tem paredes roxas com texturas em faixas enegrecidas em sinal de luto constante. Ou vai sugerir que o local, na verdade, serve de fachada para um grande bingo ou qualquer outra barbaridade”. Mas peço um voto de confiança ao meu relato. Ele é verídico! Só não revelo o local exato por prudência. Imagine só quanta gente ia querer tirar proveito dessas mulheres. Bater-lhe-iam as portas agências de turismo ou de crédito consignado, empresas de seguro ou vendedores personalité de remédios. Com má sorte, estelionatários e políticos pedindo votos ou números de RG para contratar seus mortos maridos. Pelo lado do Centro Cívico, mortos vivos trabalhando são normais. Eles se materializam e batem ponto nos poderes locais.  Todavia, isso é tema para outra crônica.

Por hora, asseguro que o prédio e as viúvas existem. Quem me confidenciou foi um recenseador do IBGE que visitou minha casa. Porque abriu o bico, não desconfio. Só sei que me contou alguns problemas vivenciados por elas. Cito dois para legitimar esta crônica: a falta de hospitais e de ambientes propícios para lazer no bairro.  São os casos de Dona Margarida e Dona Magnólia. Nomes inventados. Mas só desta vez. O que não é mentira é que Dona Margarida é uma superatleta amadora sem apoio da Secretaria Municipal de Saúde. É um ícone! Ela começa sua atividade física com uma caminhada de 250 metros até o ponto de ônibus mais próximo. Depois, aos 73 anos, ela e sua asma, exercitam Yoga ao esperar pelo transporte. Vencidas essas etapas, Dona Margarida se equilibra em pé no micro-ônibus para ir à Unidade de Saúde Ouvidor Pardinho, no Rebouças. Veja você quanta força de vontade para se consultar com o gerontologista e para pegar o remédio popular que poderia ser entregue em sua casa, caso houvesse um programa delivery de assistência à saúde. Realmente, como apurou o amigo do IBGE, Dona Maga pratica um novo esporte no país. É o ‘idoso maratona’!

Já Dona Magnólia é mais inconformada com a situação geral. Ocorre que ela tem frequentado os bailes da Melhor Idade e notado que as senhoras viúvas de outros bairros estão em melhor forma física do que a sua. As mulheres dançam, paqueram e se divertem como se tivessem apenas uns cinquenta aninhos. A razão da longevidade “das rivais” deixa ranzinza Dona Margo. A resistência física rival predomina porque no bairro delas existem academias ao ar livre. Mas, no Centro Cívico, perto do prédio das viúvas, não.  Por isso, Margo espera que o levantamento do IBGE seja utilizado pela Secretaria Municipal de Esporte e Lazer como fonte de dados para que uma academia pública seja construída em seu bairro. Malhada, ela poderá competir na categoria ‘Pé de valsa’ do concurso que é promovido secretamente no prédio das viúvas.

Enquanto isso não ocorre, muitas outras historinhas poderiam se contadas sobre o prédio e suas moradoras. Mas nem a minha criatividade para embustes nem o dedo duro do recenseador podemos revelar tais enigmas. Cabe, portanto, a você procurar entre o Palácio do Governo, Museu do Oscarito, Bosque do Papa onde fica o prédio e, quem sabe, se candidatar a marido ou a tutora...
__________
Manolo Ramires

Nenhum comentário:

Postar um comentário