segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Crônica: Matinal

 São 6 horas. Até um pouco mais cedo. Repousado sobre a grama está o Orvalho. Reina soberano na copa das árvores e nos ombros de outros seres do reino vegetal.  Nem os pára-brisas dos automóveis e afins ficam imunes a sua excelência. Assim como os telhados de vasto colorido que ficam pincelados alvamente.  O Orvalho, no entanto, não oprime as pessoas e as coisas. Postura tão distante de tantas tiranias democráticas atuais. Tanto que seu período de regência é ínfimo ao longo do dia. Ainda cedo – só um pouco mais tarde – dá lugar ao cotidiano raio solar, não rivaliza com a garoa ou sequer sente inveja da neve. Só uma coisa incomoda em seu reinado: é costumeiro à timidez. Não aparece em todos os locais do país ou do mundo. E para se mostrar ainda exige condições climáticas especiais. Mesmo assim, é muito mais próximo das pessoas em seus jardins residências do que uma ida a Roma para identificar seu trono ou coroa.


Do Orvalho, o que mais encanta, são seus súditos. Erguem cedo – ou dormem tarde – para reverenciar seu magnânimo através do trabalho. Como diz o ditado popular: “Orvalho prestigia quem madruga todo dia”. São trabalhadores rumo às fábricas, ao campo, ao comércio legal ou ilegal, às escolas, aos hospitais. Muitos que ao meio dia já completam uma jornada, que se amontoam no coletivo, no metrô, ou que tomam café com a sinfonia dos passarinhos.

Por falar em desjejum, há uma classe de trabalhadores especiais do Estado Matinal. São os vendedores de café com leite, pão com margarina e outros salgados. Eles se valem da urgência das pessoas que estão de barriga vazia quando saem para trabalhar. E Orvalho, em sua realeza, não se omite a miséria estomacal. Esse grupo de súditos levanta ainda mais cedo pra preparar o pingado e os salgados. Depois de chegarem de bicicleta nas portas alheias, um a um, servem os trabalhadores matinais. Algumas horas depois, assim como poucos enxergam a chegada, raros são os que se preocupam com a partida. O que esses ambulantes fazem após as 9 horas? Recolhem-se ao sereno? Servem a outro governo? Retornam no fim da tarde trazendo cana e frituras?


Dias desses, em visita a Colômbia, diversos ambulantes foram observados pelas ruas de Cartagena. No entanto, ao contrário do Brasil, em especial Curitiba, eles não dão plantão nas primeiras horas do dia. Seu turno é mais a partir do almoço e até de noite. Com suas bandejas de madeira, vendem o café colombiano – mais fraco do que o brasileiro. Ao contrário do pão com margarina, da coxinha ou do kibe frito, acrescem a sua tábua de produtos o chiclete, o cartão telefônico, o cigarro contrabandeado e os charutos cubanos. Na certa – ou na dúvida mesmo – estão a preparar terreno para que Orvalho, numa inversão térmica na linha do Equador, possa dar um golpe nas primeiras horas da manhã. Não seria ruim amenizar o calor matinal e ainda ver o Castelo San Felipe de Barajas sendo conquistado por gotículas.
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Manolo Ramires

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