São 6 horas. Até um pouco mais
cedo. Repousado sobre a grama está o Orvalho. Reina soberano na copa das
árvores e nos ombros de outros seres do reino vegetal. Nem os pára-brisas dos automóveis e afins
ficam imunes a sua excelência. Assim como os telhados de vasto colorido que ficam
pincelados alvamente. O Orvalho, no
entanto, não oprime as pessoas e as coisas. Postura tão distante de tantas
tiranias democráticas atuais. Tanto que seu período de regência é ínfimo ao
longo do dia. Ainda cedo – só um pouco mais tarde – dá lugar ao cotidiano raio
solar, não rivaliza com a garoa ou sequer sente inveja da neve. Só uma coisa
incomoda em seu reinado: é costumeiro à timidez. Não aparece em todos os locais
do país ou do mundo. E para se mostrar ainda exige condições climáticas
especiais. Mesmo assim, é muito mais próximo das pessoas em seus jardins
residências do que uma ida a Roma para identificar seu trono ou coroa.
Do Orvalho, o que mais encanta,
são seus súditos. Erguem cedo – ou dormem tarde – para reverenciar seu
magnânimo através do trabalho. Como diz o ditado popular: “Orvalho prestigia
quem madruga todo dia”. São trabalhadores rumo às fábricas, ao campo, ao
comércio legal ou ilegal, às escolas, aos hospitais. Muitos que ao meio dia já
completam uma jornada, que se amontoam no coletivo, no metrô, ou que tomam café
com a sinfonia dos passarinhos.
Por falar em desjejum, há uma
classe de trabalhadores especiais do Estado Matinal. São os vendedores de café
com leite, pão com margarina e outros salgados. Eles se valem da urgência das
pessoas que estão de barriga vazia quando saem para trabalhar. E Orvalho, em
sua realeza, não se omite a miséria estomacal. Esse grupo de súditos levanta
ainda mais cedo pra preparar o pingado e os salgados. Depois de chegarem de
bicicleta nas portas alheias, um a um, servem os trabalhadores matinais. Algumas
horas depois, assim como poucos enxergam a chegada, raros são os que se
preocupam com a partida. O que esses ambulantes fazem após as 9 horas? Recolhem-se
ao sereno? Servem a outro governo? Retornam no fim da tarde trazendo cana e
frituras?
Dias desses, em visita a Colômbia,
diversos ambulantes foram observados pelas ruas de Cartagena. No entanto, ao
contrário do Brasil, em especial Curitiba, eles não dão plantão nas primeiras
horas do dia. Seu turno é mais a partir do almoço e até de noite. Com suas
bandejas de madeira, vendem o café colombiano – mais fraco do que o brasileiro.
Ao contrário do pão com margarina, da coxinha ou do kibe frito, acrescem a sua
tábua de produtos o chiclete, o cartão telefônico, o cigarro contrabandeado e
os charutos cubanos. Na certa – ou na dúvida mesmo – estão a preparar terreno
para que Orvalho, numa inversão térmica na linha do Equador, possa dar um golpe
nas primeiras horas da manhã. Não seria ruim amenizar o calor matinal e ainda
ver o Castelo San Felipe de Barajas sendo
conquistado por gotículas.
_____
Manolo Ramires
Nenhum comentário:
Postar um comentário