Na rua perto de casa, a gente jogava bola quase diariamente.
Chegava à tarde, por volta das 16 horas, e a molecada gritava do portão: mané,
mané. Era o convite que trazia como exigência a minha bola de capotão. E lá
íamos nós jogarmos gol caixote. Três contra três. Às vezes até quatro contra
quatro. Era uma variante muito mais irreverente da forma como se joga futebol
atualmente com suas escolinhas e treinadores sempre aporrinhando sobre esquemas
táticos ou formas de bater na bola. A gente se dividia no trio com o maiorzinho
na zaga, o mais habilidoso no meio e o mais rápido na frente. A regra era simples.
Quem marcada três gols antes tirava o outro time, independente do tempo. As
traves eram feitas de madeira reaproveitada e as redes um dia foram lançadas ao
mar.
Nessa época, nos meus primeiros jogos, ainda não tinha um
time do coração. Portanto, quando fazia gol, o barato era abraçar os colegas e
sorrir bastante. A molecada já torcia pelo Santos, por morarmos na Baixada
Santista, pelo Corinthians pós fila, em menor escala pelo São Paulo, pois
estamos falando de período anterior ao bicampeonato mundial, e pelo Palmeiras.
Eles sempre comemoraram citando seus ídolos. Contudo, isso não me incomodava. O
correto era também pender para o alvinegro praiano, uma vez que meu pai, ituano
de nascimento, e santista de férias, vibrava com a baleia. ‘Só que não’, para
utilizar uma expressão moderna. Ele preferia discutir política e sobre o Banco
do Brasil, esquecendo, assim, de me levar à Vila Belmiro e comprar meu apoio
com refrigerante, algodão doce e pipoca.
Órfão de clube, foi jogando bola que assumi uma paternidade futebolística.
Era um sábado. A mais de duas horas jogávamos “Três dentro, três fora”.
Brincadeira que sugere equilíbrio e malandragem. Antes de chutar ao gol se
tinha que trocar passes sem deixar a bola tocar no chão. Três gols substituíam o
goleiro e três chutes pra fora mandava o último perna-de-pau para o gol. Foi o
que aconteceu comigo. Ciente da demora que aquele chutão errado na direção do
portão provocara em minha participação na brincadeira, entrei na casa do
amiguinho para beber água. Aproveitei e parei na porta para assistir um pedaço
da partida que ocorria pelo Paulistão. Jogavam Guarani e Palmeiras no Brinco de
Ouro da Princesa. O nome do estádio do bugre, aliás, é fundamental para recordar-me
da minha opção. Lembro que ao ouvir o placar - 2 a 1 para o Guarani no BOP – pensei
que aquele estádio ficava em uma ilha dominada por piratas, pois eram estes que
usavam brinco e não havia nenhuma princesa (inexistente em meu imaginário). Ao
final do jogo, o que guardei não foi o resultado, mas as cores verdes e o
símbolo do Palmeiras.
Tenho muito carinho por essa história. Ela representa que
nunca fui torcedor de moda ou dependente de títulos, mas de coração. E se esse
dia - o futebol de rua – revelou minha paixão, foi mais ou menos três anos
depois que o amor se consolidou. Voltava também de outro futebol, dessa vez
jogado na areia da praia. Estava cansado, feliz e todo sujo, exceto pela camisa
branca do Palmeiras com listas verdes nas mangas. No meio do caminho, desatento, não percebi o
manto escorregar pela minha cintura e se enroscar na corrente da bicicleta. Após
o tombo, levantei-me rapidamente para tentar puxá-la dos dentes engraxados da
magrela que pareciam zombar de minha cara. Era tarde. A camisa ficou toda
marcada e com diversos furinhos. Já eu, chorei por longos 10 minutos na praia.
Talvez essa tenha sido a maior decepção da minha vida associada ao Palestra
Itália. Muito mais do que ser rebaixado no Campeonato Brasileiro, perder o
Mundial em 1999 ou a Libertadores de 2000. Lágrimas assim só rolaram – desta vez
de alegria – no jogo contra o Flamengo pela Copa do Brasil. Um confronto épico
em que o verdão conseguiu a vitória por 4 a 2 nos acréscimos do jogo e eu
marcar todo os meus dois joelhos pelas tampinhas numa demonstração de sacrifício
tolo.
Muitas outras históricas com o alviverde de Parque Antártica
ocorrem ao longo de minha vida. Já briguei pelo Palmeiras quando jovem, já ofendi
o clube, me alegrei, e vivi toda gama de sentimentos. Por isso, aos 100 anos,
que se comemoram neste dia 26 de agosto de 2014, sinto forte em meu coração e
mente o canto que diz ser “100 anos de história, de lutas e de glórias”. E
espero, em breve, estar levando meu filho, Ítalo, ao novo estádio para juntos,
compartilharmos dessa rica trajetória que tem a família palmeirense.
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Manolo Ramires
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