quinta-feira, 16 de outubro de 2014
Crônica Curta: No descritivo de função
O trabalhador sofre. Está no seu descritivo de função. Servirá seu patrão, venderá sua força de trabalho e não reclamará. Terá momentos de alegria, mas a sofridão é sua missão. Se não for no trabalho, será no trajeto de ida. Ou de volta. Ônibus lotado. Terminal lotado. O terminal sempre está em coma. É uma bolha de tensão social que nunca estoura. Taca-lhe caladryl, bepantol, calminex nas ideias e constatações. O coletivo tá cheio, mas as crianças conseguem se sentar no fundo. Dois meninos, um pai, sem mãe. Conversam. A janela do Inter II são as asas da imaginação de quem é desprovido de recursos. Um guri se incomoda. Pai, porque a gente não anda de trem? Ora, achará o niño que é mais confortável? É caro, justifica o pai. Mas eu quero andar de trem, emenda . Vamos no fim do ano. É uns 100 mil?, calcula a criança. Falam do passeio da graciosa, enfim, percebo. Nós vamos em dezembro com sua tia, prevê o pai sem mãe. O outro filho muda de assunto. Eu gosto do Barney. Ele é um dinossauro. O pai se alivia. A gente pode ir à casa da tia ver Barney? Fica tenso de novo: No fim de semana, filho. O papai acorda cedo para ir trabalhar. É o que diz. É o que o povo faz. Como o trabalhador sofre. E nem ganha gratificação por tanta sofridão.
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